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domingo, 25 de dezembro de 2016

O Natal de Cristo: Um Poema de Almeida Garrett


O NATAL DE CRISTO

I

O César disse do alto do seu trono:
“Pereça a liberdade!                          
Quero contar os homens que há na Terra.
Que é minha a humanidade:”
E, cabeça a cabeça, como reses,
As gentes são contadas.
Procônsules e reis fazem resenha
Das escravas manadas.
Para mandar a seu senhor de todos
Que, um pé na Águia romana.
Com o outro oprime o mundo,
A isto chegara a vil progênie humana.

II

E era noite em Belém, cidade ilustre
Da vencida Judeia.
Que a domada cabeça já não cinge
Com a palma idumeia:
Dois aflitos o pobres peregrines
Cansados vêm chegando
Aos tristes muros, a cumprir do César
O imperioso bando...
Tarde chegaram já não há poisadas.
Que importa que eles venham
Da estirpe de Jessé, e o sangue régio
Em suas veias tenham?
Na geral servidão só uma avulta
Distinção – a riqueza;
Na corrupção geral só uma avilta
Degradação – pobreza.
Os filhos de David foram coitar-se
No presepe entre o gado,
E dos animais brutos receberam
Amparo e gasalhado.

III

E ali nasceu Jesus... ali a eterna,
Imensa Majestade
Apareceu no mundo, – ali começa
A nova liberdade.
Cantam-na os anjos que no Céu pregoam
Glória a Deus nas alturas,
E paz na Terra aos homens! –
Paz e glória, Promessas tão seguras
Do Céu à Terra nesta noite santa,
O que é feito de vós?
Jesus, filho de Deus, que ali vieste
Humanar-Te por nós,
Tu que mandaste os coros dos Teus anjos
Aos humildes pastores
Que dormiam na serra – ao pobre, ao poio,
Primeiro que aos senhores.
Que aos sábios e que aos reis, Te revelaste –
Oh! que é delas, Senhor,
Que é das Tuas promessas? Resgatados,
Divino Salvador.
Do antigo cativeiro não seriam
Os homens que fizeste
Livres co sopro Teu, quando os criaste,
Livres, quando nasceste.
Livres pelo Evangelho de verdade
Que em Tua Lei lhes deste.
Livres enfim, pelo Teu sangue puro
Que por eles verteste
Do alto da Cruz, no Gólgota de infâmia
Em que por nós morreste?

IV

Vê, ó filho de Deus! quase passados
Dois milénios já são
Que, esta noite, em Belém principiava
Tua longa paixão;
E o édito do César inda impera
No mundo avassalado.
Os Césares, seu trono – e quantos tronos!
Têm caído prostrados...
Embalde! – as leis iníquas, que destroem
A santa liberdade
Que nesta pia noite anunciaste
A opressa humanidade,
Essas estão em pé. Será que o pacto,
Será que o testamento
Celebrado na Cruz Tu quebrarias.
Senhor, no etéreo assento?...

V

Não, meu Deus, não: eterna é a Palavra,
Eterno é o Verbo Teu
Que, antes do ser dos séculos, nos deste,
Que o mundo recebeu
Nesta noite solene e sacrossanta.
Nós, nós é que o quebramos.
Nós, sim, o novo pacto e juramento
Sacrílegos violamos;
Esaús de Evangelho, nós vendemos,
Com torpe necedade,
Por apetites sórdidos, a herança
Da glória e liberdade,
Por isso os reis da Terra inda nos contam
Escravos, às manadas;
Por isso, em vão, do jugo sacudimos
As cervizes chagadas.
Porque não temos fé, não temos crença,
E a Cruz abandonamos.
Donde somente está, só vem, só fulge
A luz que procuramos.
E os vãos sabedores, esses magos
Que a vaidade cegou.
Não olham para o céu, não vêem a estrela
Que hoje era Belém raiou.

Almeida Garrett
in, “Flores sem Fruto” – 2º volume

in, "O Occidente" de 15 de Dezembro de 1878


Neste Dia de Natal é um dever dos homens livres - seguidores ou não da Igreja que Jesus Cristo veio fundar -  lembrar este belo e extenso POEMA de Almeida Garrett.

Profundo na análise dos acontecimentos que aconteceram com o nascimento do Verbo de Deus na cidade de Belém, que ele incluiu no seu famoso livro "Flores sem Fruto", se começa por ser - como ele quis que fosse uma homenagem ao NATAL DE CRISTO como ele o intitulou - é, também, uma homenagem que o Poeta merece que se lhe faça, porque a par de outros seus pares na Literatura nacional, ele penetrou bem dentro do Grande Mistério que aconteceu com o grande SINAL que DEUS havia prometido aos homens desde o Princípio dos Tempos.

Dividido em cinco tempos, é nos primeiros versos do quarto tempo que o Poeta chama a atenção para o édito de César, que no seu tempo - como em grande parte no nosso - ainda impera neste mundo avassalado de outros Césares que contam as cabeças dos que lhe podem fazer frente para os derrubar:

Vê, ó filho de Deus! quase passados
Dois milénios já são
Que, esta noite, em Belém principiava
Tua longa paixão;
E o édito do César inda impera
No mundo avassalado.
(...)

E, ainda, que os tronos dos "Césares" do nosso tempo de faltas de liberdade hajam caído, em tantos lados de um Mundo que continua opressor, não deixa de ser profético que Almeida Garrette, apesar de Jesus Cristo ter nascido para tornar livre e salvar toda a Humanidade de todas as leis opressoras dos homens, tenha escrito deste modo, deixando uma pergunta a Deus:

Embalde! – as leis iníquas, que destroem
A santa liberdade
Que nesta pia noite anunciaste
A opressa humanidade,
Essas estão em pé. Será que o pacto,
Será que o testamento
Celebrado na Cruz Tu quebrarias.
Senhor, no etéreo assento?...

E se como é evidente - o testamento que veio a ser celebrado na Cruz era a parte mais importante do nascimento do NATAL DE CRISTO que hoje recordamos - Deus não o quebrou no assento etéreo.

Temos sido nós que pelas nossas desatenções ao que aconteceu na Cruz do Calvário, ainda não soubemos entender a MISSÃO do NATAL DE CRISTO e continuamos a festejá-lo em festas fugazes, de muito barulho mas de pouca atenção interior, razão por que este Poema do grande Poeta merece uma leitura atenta e nos congregue a todos para a FESTA, fazendo dela o encontro que ainda fala fazer, verdadeiramente, em tantos lados e no coração de muitos homens com JESUS CRISTO, que faz hoje anos veio para nós todos... 

E nem todos O temos recebido na profundidade da MENSAGEM que Ele nos deu da parte de Deus, neste dia, já passa de dois milénios.

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