Quando um Homem Quiser
Tu que dormes à noite na
calçada do relento
numa cama de chuva com lençóis
feitos de vento
tu que tens o Natal da solidão,
do sofrimento
és meu irmão, amigo, és meu
irmão
E tu que dormes só o pesadelo
do ciúme
numa cama de raiva com lençóis
feitos de lume
e sofres o Natal da solidão sem
um queixume
és meu irmão, amigo, és meu
irmão
Natal é em Dezembro
mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
é quando um homem quiser
Natal é quando nasce
uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto
que há no ventre da mulher
Tu que inventas ternura e
brinquedos para dar
tu que inventas bonecas e
comboios de luar
e mentes ao teu filho por não
os poderes comprar
és meu irmão, amigo, és meu
irmão
E tu que vês na montra a tua
fome que eu não sei
fatias de tristeza em cada
alegre bolo-rei
pões um sabor amargo em cada
doce que eu comprei
és meu irmão, amigo, és meu
irmão
Ary dos Santos, in 'As Palavras
das Cantigas'
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Apenas uma palavra, porque pela sua limpidez social e eticamente perfeito este belo poema de Natal de Ary dos Santos, o que merece - antes de qualquer palavra por mais erudita que seja - é uma reflexão pelo sentido da fraternidade que perpassa e nos inquieta em cada verso, especialmente, nos últimos, em que a fartura que enche a mesa dos fartos devia pôr um sabor amargo em cada prato cheio de iguarias, porque cada pobre é irmão do mais rico, e isto - que é uma verdade antropomórfica devia ter pelo seu peso humano o significado que não fosse, apenas, o seu assento no Dicionário, mas o seu assento na consciência comum que devia nortear a existência humana tendo em conta o preceito do número 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
Maravilhoso!!!!!!!!
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