O
sentido social da expressão poder público
Movido pela profunda
convicção de que à Igreja compete não só o direito, mas o dever de
pronunciar uma palavra autorizada sobre as questões sociais, Leão XIII
dirigiu ao mundo a sua mensagem. Não que ele pretendesse estabelecer normas sob
o aspecto puramente prático, quase diríamos, técnico, da constituição social;
porque bem sabia, e era para ele evidente, que a Igreja não se arroga tal
missão - como declarou, há um decénio, nosso predecessor de saudosa memória,
Pio XI, na sua encíclica comemorativa “Quadragesimo anno” .- Na esfera geral do
trabalho abre-se ao desenvolvimento são e responsável de todas as energias
físicas e espirituais dos indivíduos, às suas organizações livres, um
vastíssimo campo de acção multiforme, onde
o público poder intervém com a acção integrante e ordenadora, primeiro por meio
das corporações locais e profissionais, depois por força do próprio Estado cuja
suprema e moderadora autoridade social tem o importante oficio de prevenir as perturbações
de equilíbrio económico nascidas da pluralidade e dos contrastes dos egoísmos
concorrentes, individuais e colectivos.
Ao contrário é indiscutível competência da Igreja, da
qual a ordem social se aproxima e atinge o campo moral, ao julgar se as bases
de uma determinada organização social estão em acordo com a ordem imutável, que Deus Criador e Redentor manifestou
por meio do direito natural e da revelação: dupla manifestação a que se refere
Leão XIII na sua encíclica. E muito bem: porque os ditames do direito natural e
as verdades da revelação promanam por diversos trâmites da mesma fonte divina
como duas correntes de água não contrárias, mas concordes; e porque a Igreja, guarda da ordem sobrenatural cristã em que
concorrem a natureza e a graça, deve formar as consciências, inclusive as
daqueles que são chamados a encontrar as soluções dos problemas e deveres
impostos pela vida social.(…)
in, nºs 4 e 5 da Radiomensagem na
Solenidade do Pentecostes do Papa Pio XII - 1 de Junho de 1941, no 50º aniversário da Carta Encíclica “Rerum
Novarum” de Leão XIII. Nota: Os sublinhados são nossos.
Nota. Os sublinhados no texto da Igreja são nossos.
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O poder
público dimana dos Órgãos do Estado devidamente legitimados devendo actuar no
estrito respeito pelos cidadãos em conformidade com a moral social e natural
que norteia a sociedade, algo que mereceu a C. Lahr, esta definição: é um
todo que se pode comparar ao organismo. Também ela se compõe de membros que são
como a matéria desse organismo e dum princípio que é como a alma: a autoridade.
Depreende-se, que
sendo a autoridade querida por Deus como uma necessidade natural, esta se
radica em ordem à ordenação do bem comum ao próprio Estado que deve agir no
âmbito da sua moderadora autoridade social com o fim de prevenir as perturbações de equilíbrio económico
nascidas da pluralidade e dos contrastes dos egoísmos concorrentes, individuais
e colectivos.
Foi esta a asserção
cheia de sentido do Papa Pio XII, que hoje, como então, leva a Igreja a chamar
a si o dever da sociedade agir de acordo com a ordem imutável determinada
por Deus e de que se faz eco o salmista: Assim observarei de contínuo a tua lei para
sempre e eternamente. (Sl
118, 44), porquanto as directivas do direito natural que sendo absoluto perante
Deus, torna-se relativo perante a justiça criminal ou meramente humana, tornando
lícita, a actuação do poder público
em ordem à defesa do cumprimento do dever que é por si mesmo o verdadeiro
sentido deste direito.
Ao invés, na ordem da
graça o poder natural ao responder perante Deus na consciência de cada homem -
com mais ênfase, a partir da Revelação - pode e deve tornar-se uma parcela activa,
influenciando a soma concertada do dever divino a agir no humano para que resulte
daqui o desejo manifestado pela Igreja em formar as consciências, inclusive
as daqueles que são chamados a encontrar as soluções dos problemas e deveres
impostos pela vida social, tornando, por este facto, altamente
responsáveis todos os homens que se dispõem a tomar sobre os seus ombros a
tarefa do cumprimento da justiça que enforma o poder público, tornando-o numa escola de virtudes.
È este o desafio que temos
pela frente, tendo na devida conta as palavras iniciais do texto de Pio XII: Movido
pela profunda convicção de que à Igreja compete não só o direito, mas
o dever de pronunciar uma palavra autorizada sobre as questões sociais, o
Papa Leão XIII, ao reivindicar este propósito para o Magistério petrino, com a
sua atitude desafiou o poder público
instituído ao cumprimento do equilíbrio da sociedade na pluralidade social em
que ela se movimenta.
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