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sábado, 15 de outubro de 2016

Profetas do nosso tempo!


Serei eu uma harpa
para que a mão do Todo Poderoso
me possa tocar,
ou uma flauta para que o seu sopro
passe através de mim?
Sou apenas um buscador de silêncios.
E que tesouros encontrei nos meus silêncios
para poder distribuir confiadamente?
Se é hoje o meu dia de colheita,
em que campos e em que estações esquecidas
lancei a semente?

Khalil Gibran, in “O Profeta”

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“O Profeta” é a joia literária do autor que neste livro criou a personagem de Almustafá, o eleito, o bem amado, que após uma espera de doze anos na cidade imaginária de Orphalese se dispõe a partir, num momento em que ao olhar o mar avistou o seu barco que se aproximava com o nevoeiro.

Prefigurando-se a despedida, há vozes que lhe dizem carinhosamente: Não deixes que as águas do mar nos separem (...) Caminhaste entre nós como um espírito e a tua sombra foi luz sobre os nossos rostos.(...) Na tua solidão infinita foste a sentinela dos nossos dias e nas tuas vigílias escutaste o pranto e o riso do nosso sono.

Pedem a Almustafá para lhes revelar o que lhe foi mostrado no tempo em que permaneceu com eles, para quem o profeta fora extremamente honesto. Era um lavrador de sementes de vida e eles queriam saber em que campos e em que estações havia, ele, lançado a semente.
O livro é uma ficção, mas é, quase, um facto. É um trabalho artístico a rondar o religioso.
Almustafá assinala caminhos que devem ser percorridos e a sua palavra carrega a sabedoria da vida e do universo. Tem consciência disto e, embora, sabendo que tem de partir, acede ao que lhe pediam: (...) antes de nos deixares, pedimos-te que nos fales e nos deixes a tua verdade.

Não se fez rogado e falou-lhes entre outros assuntos, do amor, do casamento, das crianças, do dom, do trabalho, da alegria e da tristeza, do crime e castigo, da palavra, do bem e do mal, do prazer, da religião e, por fim, da morte. Eram tudo tesouros que havia encontrado nos seus silêncios para os dar de graça. Sementes que havia lançado na leira fecunda da sociedade de Orphalese, em que vivera durante doze anos.

Faz-nos lembrar a parábola do semeador contada, num dia por Jesus, ao ter saído de casa, quando estava assentado junto ao mar. Tendo-se ajuntado muita gente ao pé d’Ele, disse-lhes: Eis que o semeador saiu a semear (Mt 13,1 - 3), alertando-nos que todos seremos chamados a semear e a prestar contas ao Juiz Eterno do modo como usámos as sementes que nos foram dadas.

Curiosamente, Almustafá é, também, posto a olhar o mar, e é, nessa postura que responde àqueles que lhe pediam para lhes falar das suas verdades, ou seja, dos campos onde havia lançado a semente que Deus lhe dera.
O dia em que se ia deixar Orphalese, era dia de colheita. Aprestou-se a ouvir os seus habitantes, dando-lhes conta do que Deus o havia instruído, como se antecipasse neste mundo, as contas que Deus não deixaria de lhe pedir, um dia. Falou como quem sabe. Ele era o profeta, o eleito, o bem amado. Não havia semeado à beira do caminho, nem  entre pedregais ou entre espinhos, mas havia-o feito em terra boa.

Por isso pode falar com autoridade de tudo, e no mesmo modo como ensinou, pareceu prestar contas àqueles que pediam para lhes deixar a sua verdade, o que fez cheio de amor.
Todos nos devíamos rever neste herói de Khalil Gibran, porque Deus nos pede para sermos profetas, isto é, distribuidores de graças nascidas dos nossos silêncios mais íntimos, na certeza que um dia - no dia da colheita - nos há-de perguntar, como Almustafá perguntou a si mesmo, em que campos e em que estações lançamos a semente que Ele nos deu.

Atenção a isto.
Não aconteça que tenhamos perdido o nosso tempo, tendo andado a lançar sementes improdutivas como acontece nas três primeiras sementes da parábola de Jesus, porquanto, todos nós, somos chamados a ser profetas, pondo a render todas as sementes recebidas.
Almustafá agiu assim.
Deu respostas convincentes, porque tinha obra feita, assim todos nós o possamos dizer, um dia.
E aconteceu isto, porque as sementes que lançara haviam dado fruto e de tudo pode falar, como naquele passo, quando disse: Quando amardes, não digais: - Deus está no meu coração, mas antes: - Eu estou no coração de Deus, porque a certeza de sabermos isto é superior à de sabermos que Deus está nosso coração, porque Ele é bom e mete-se – sem pedir licença no coração de todos os homens - mas ter a certeza que Deus nos reserva um lugar especial no seu coração de Pai é, infinitamente, um dom superior.

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