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domingo, 30 de outubro de 2016

Uma preocupação de Miguel Torga


Hoje, mais uma vez, a minha saudade de Miguel Torga levou-me até ao volume XIV do seu "Diário" e parei por uns momentos para ler e reler o que ele escreveu no Cimo da Vila, em 14 de Setembro de 1983, naquele local, também chamada Cimo da Vila da Castanheira, com o fito centrado na capela românica de S. João.


Diz, assim, este famoso poeta:

Pátria desmoronada! Tudo nela cai aos bocados. Os monumentos, o carácter e a própria fé. Agora, a incúria do abade e dos fiéis até deixou que abatesse o tecto desta serrana capelinha de S. João, e consente que se percam no montão de ruínas, partidos, os rústicos modilhões que faziam dela uma raridade cultural. Num dos mais expressivos, o falo procriador que exibia mantém ainda ingloriamente a erecção. A limpa erecção dum tempo que acreditava na vida e a exaltava na cornija dos templos, a unir no mesmo culto o que nela havia de sagrado e de profano.
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Miguel Torga, é sabido, nunca foi um homem que tivesse feito da sua fé em Deus um modo de se posicionar perante a vida, mas é indubitável que fez do respeito que ela lhe mereceu o seu culto muito particular, pelo que, lendo-o neste pequeno trecho do seu "Diário" e que lhe foi inspirado pelo desleixo nacional dos templos sagrados, como o de S. João, existente nas lonjuras das terras mais inóspitas do concelho de Chaves, o que fica é o seu espanto pelo abandono de monumentos como este de traça românica que marcou uma época histórica.

Os mais puritanos podem não estar de acordo com o falo erecto que ele diz pertencer a um tempo que acreditava na vida e a exaltava na cornija dos templos, e se pode parecer desrespeitoso para a fé da Igreja o modo frio como ele fala no falo erecto procriador que ele viu naquela capelinha serrana de S. João, leva-nos, também friamente a concluir, que tal constatação sendo a descrição dum facto natural, pode ser repudiado por eles, mas não deixa de ser na sua realidade pictórica um motivo que nos fala da Obra da Criação, porque Deus se não esqueceu de nada... 

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