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sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O sentido social da palavra CARIDADE

O sentido social da palavra caridade
  
(…) Quanto à Igreja, a sua acção jamais faltará por qualquer modo, e será tanto mais fecunda, quanto mais livremente se possa desenvolver.
Nós desejamos que compreendam isto sobretudo aqueles cuja missão é velar pelo bem público. Empreguem neste ponto os Ministros do Santuário toda a energia da sua alma e generosidade do seu zelo, e guiados pela vossa autoridade e pelo vosso exemplo, Veneráveis Irmãos, não se cansem de inculcar a todas as classes da sociedade as máximas do Evangelho; façamos tudo quanto estiver ao nosso alcance para salvação dos povos, e, sobretudo, alimentem em si e acendam nos outros, nos grandes e nos pequenos a caridade, senhora e rainha de todas as virtudes
Portanto, a salvação desejada deve ser principalmente o fruto duma grande efusão de caridade, queremos dizer, daquela caridade que compendia em si todo o Evangelho, e que, sempre pronta a sacrificar-se pelo próximo, é o antídoto mais seguro contra o orgulho e o egoísmo do século. Desta virtude, descreveu S. Paulo as feições características com as seguintes palavras: “A caridade é paciente, é benigna, não cuida do seu interesse; tudo sofre; a tudo se resigna” 

in, nº 35 da Carta Encíclica “Rerum Novarum” - Nota: os sublinhados são nossos.
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Camilo Castelo Branco escreveu, possivelmente, num dos raros intervalos da sua atribulada vida o livro “Horas de Paz - escritos religiosos”, dedicando o cap. V ao tema da caridade, onde afirma: Esta virtude, considerada o amor a Deus e o amor do próximo, é a mais excelente de todas as virtudes (…) a esperança cessará quando os prazeres esperados se converterem na dulcíssima realidade das delícias celestes; mas a “caridade subsistirá eternamente” como diz S. Paulo (1ª Cor. 13, 8), por ser senhora e rainha de todas as virtudes, como, mais tarde, acentuaria o Papa Leão XIII, o que nos leva a concluir que a salvação prometida por Deus a todos os homens tem de ter como base primeira e fundamental a assunção da caridade que compendia em si todo o Evangelho, ou seja, amar a Deus na linha do profetismo do AT e, de um modo especial, seguir a pregação de  Jesus e dos seus Apóstolos.

A virtude da caridade representa a acção altruísta de fazer o bem sem esperar recompensa, como a Palavra defende: Quando derdes esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita (Mt 6, 3), donde deriva ser a caridade a essência do cristianismo, algo que levou S. Paulo a menorizar todas as suas obras se nelas não entrasse como perfume de Deus a caridade, porque não estando vivificado por ela sentia-se arredado do caminho do céu.

Eis, porque, sendo isto tão óbvio, espanta que entre o tempo de Moisés, quando é dito: Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças (Dt 6,5) e o tempo actual, Deus continue a exortar o homem quanto à assunção do vínculo maior - a caridade -  onde o amor que lhe é devido se tem de tornar infinito, pois só assim é possível modificar a natureza do homem, razão porque a recomendação de Moisés vem de muito longe e continua actual, pois só a partir de Deus é que se pode amar, verdadeiramente, o próximo, na linha da caridade a que todos fomos chamados e ressoou, um dia, no antigo grito dos pagãos: “vede como eles se amam” testemunhado por Tertuliano (160-220 d. C).

Este é, certamente, o primeiro e grande paradigma da caridade entre os homens no ágape da repartição fraterna, hoje, um sentimento difuso, onde o homem reduzido a um número passou a ser um ente solitário entre muitos, quando o ideal cristão o torna necessitado um do outro, centrando-se aqui o testemunho que cabe dar à valorização humana do próximo.

Temos assim, que no desfiar dos séculos tem sido o sentimento da caridade o fiel  inspirador de tudo aquilo que nos ata a Deus e tem de ser, a partir desse feixe de amor sublime, a relação com o nosso semelhante, partindo dessa íntima comunhão da Humanidade aos pés do Criador, a fazer-se da caridade - que no dizer de S. Paulo não cuida do seu interesse -  algo que nos deve inquietar, porque a massificação do tempo que passa ao isolar o homem tende a desviá-lo da caridade que é devida ao seu semelhante.

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