Cada homem é
chamado a percorrer um dado caminho, o que implica que ele deva ter deste
pressuposto uma ideia que vai buscar à acção, enquanto manifestação da força
interior que é impelida a vencer por razões da própria identidade natural, razão
que levou Flaubert (1) a declarar: Não desculpo de modo algum
aos homens de acção que não vençam, uma vez que o êxito é a única medida do seu
mérito, donde se tira a ilação que é para a conquista do êxito que todo o
homem é chamado desde o mais fundo da sua consciência.
É nessa conquista que assentam as bases da
felicidade humana, que num grau superior, o pode conduzir à santidade num grau
em que esta está para além da postura normal que está ao alcance de todos os
homens, um convite bem conhecido através do apóstolo S. Pedro: A exemplo da santidade daquele que vos
chamou sede também vós santos em todas as vossas acções. (2)
Tudo isto,
porém, implica uma caminhada consensual e porfiada em busca dos meios que nos
conduzem à conquista de felicidade, ponto de partida para vôos mais largos e,
porventura, mais proveitosos, o que nos leva até um livro de Teilhard de Chardin (3)“Sobre a Felicidade/Sobre o Amor”
o qual, através de um esquema simples mas proveitoso coloca o leitor em face de
uma atitude vivencial que não pode deixar de ser considerada, tendo em vista a
conquista da felicidade.
Tudo começa
com a apresentação de um grupo de alpinistas no momento em que é iniciada a
missão de escalar o cume difícil de um alto monte, para, num dado momento da
escalada, logo que as dificuldades se passaram a sentir, nos ser mostrado o
grupo que partiu unido no eu todo, se dividir em três, com estados de alma, ou
atitudes diferentes quanto ao modo como cada um deles enfrentava a tarefa
iniciada.
Os membros de
um dos grupos lamentava-se de ter partido.
Outros não se
lamentam, embora caminhem com dificuldades de olhos em baixo.
Outros, tendo
a coragem dos do segundo grupo no que se referia aos lamentos, ao contrário
deles são mais decididos e não tiram os olhos do cume do monte.
É nestas três
atitudes em que se baseia Teilhard de Chardin para equacionar um esquema bem
urdido em defesa de uma tese baseada nas posições mentais e nos sentimentos que
as formam.
Quanto aos
fins procurados os grupos pelos antecedentes das atitudes de cada um deles, assumem,
agora, três posições bem definidas, de que resulta como consequência imediata,
que haja de ter em consideração, o seguinte:
Os membros do
primeiro grupo, são os cansados que deixaram de procurar a felicidade,
trocando-a pela tranquilidade, pela quietude e comodidade de quem calça as
pantufas e vive acomodado no seu canto.
Os do segundo
grupo, são os que vivem o momento, mas sem terem na mente a procura do futuro.
Caminham, mas vão às apalpadelas. Sabem que a tarefa a cumprir está mais acima,
mas gostam de lá chegar com o menos esforço possível, parecendo-lhes
indiferente a vitória da caminhada para vencerem a escalada.
Finalmente, os
do terceiro grupo, são os valentes, os que aprenderam a fazer da vida uma
ascensão permanente, agindo na procura da felicidade pelo crescimento, pelo
desenvolvimento, pela alegria de saborearem o momento de fundarem no alto do
monte a bandeira da vitória.
Teilhard de
Chardin, neste ponto, debruça-se com toda a acuidade sobre a atitude deste
terceiro grupo, fazendo nele uma análise centrada na ordem dos sentimentos mais
íntimos, apontando-o como um agregado de valentes, onde havia em cada um dos
seus membros um tríptico de posturas dividido nas seguintes determinações, que
cada um assumia para si mesmo como norma baseada em personalizações mentais bem
definidas que o autor resume assim:
O centrar-se cada
um em si mesmo, pela ordenação física do esforço, direccionando o intelecto e a moral em ordem à elevação e formação
cultural, com esta a tender à unificação do eu em si mesmo.
Depois, numa
ordem ainda mais elevada, cada indivíduo deixava de fazer se si mesmo o centro
de tudo o que acontecia e descentrava-se no outro, sentindo que em si mesmo e
só por si pouco valia e, que se enriquecia sempre que se revia no companheiro ou nos companheiros da caminhada.
Finalmente,
numa ascensão humana, a rondar o ascetismo, o homem que já se deixara de se ver
a si mesmo como centro, sobre-centra-se
num eixo maior que ele, num desejo de alargamento do “eu” complementando-se com algo que existe no outro que está ao lado,
ou em algo que se sente estar mais além e acima de si mesmo, o que equivale a
dizer que a vida de alguns é subordinada a uma ocorrência que superior à
própria percepção das coisas.
Temos assim,
que é nos membros do terceiro grupo – os valentes – que devemos situar a
procura da felicidade, em qualquer dos estádios, quer no que procura guindar-se
acima, pelo esforço próprio, no que sente que é preciso sair de si mesmo em
prol da colectividade e, finalmente no que, vê no outro uma capacidade humana
superior que até o torna capaz de sair dessa condição para ser exemplo de
santidade.
(1) - Gustave Flaubert (1821 – 1880) foi um notável
escritor francês. Flaubert marcou a literatura francesa pela profundidade de
suas análises psicológicas, pelo seu senso da realidade e da sua lucidez sobre
o comportamento social.
(2) - 1 Pe 1,15
(3) - Pierre Teilhard
de Chardin (Orcines, 1 de Maio de 1881 — Nova Iorque, 10 de Abril de1955) foi
um padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês que logrou construir
uma visão integradora entre ciência e teologia. Através de suas obras,
legou-nos uma filosofia que reconcilia a ciência do mundo material com as
forças sagradas do divino e sua teologia. Disposto a desfazer o mal entendido
entre a ciência e a religião, conseguiu ser mal visto pelos representantes de
ambas. Muitos colegas cientistas negaram o valor científico de sua obra,
acusando-a de vir carregada de um misticismo e de uma linguagem estranha à
ciência.
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