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quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Nossa Senhora do Amparo

Imagem de Nossa Senhora do Amparo ao culto dos fiéis 
na Igreja Paroquial de Benfica - Lisboa


Dentro do altar-mor o trono eleva-se desde a peanha monumental - que a foto não mostra - e que serve de apoio à Imagem do Orago da Igreja Paroquial de Nossa Senhora do Amparo, até terminar na Cruz com Nosso Senhor exposto, que um jogo de luzes artisticamente conseguido nos dá a expressão plástica de um Calvário, com a representação luminotecnica de Dimas e Gestas, os dois crucificados que no Gólgota fizeram companhia a Jesus Cristo.

Neste trono o cinzel do artista fez maravilhas de arte escultótrica dentro das duas grandes colunas laterais de mármore rosa com seus respectivos capitéis que emolduram esta joia rara onde não falta o pormenor a dar a todo o conjunto a harmonia das formas deste famoso e elegante retábulo, onde na meia-volta final que serve de tecto, a coroa do Espirito Santo culmina o Sinal da Trindade das três Pessoas consubstanciais ali representadas, cujo prenúncio aparece no Livro de Génesis no momento em que junto dos Carvalhos de Mambré, Abraão recebeu três visitantes misteriosos (Gn 18, 2-5).

Para se chegar à invocação de Nossa Senhora do Amparo - com o sentido na Senhora que é venerada na Igreja de Benfica - temos de considerar um percurso eclesial que nos leva até ao início dos tempos, e em que Maria esteve gloriosamente inscrita nos planos de Deus.

Após Eva ter sido enganada pela serpente e tendo consciência de como era saboroso o fruto da árvore proibida, deu-o a comer a Adão. Relata o Génesis, que Eva ao ser interpelada por Deus: Que fizeste? – respondeu: A serpente me enganou e eu comi. Deus, depois de chamar à colação o acto da serpente, disse: Porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua descendência e a dela; esta te esmagará a cabeça enquanto tu te lanças contra o seu calcanhar. (Gen 3, 15)

Neste relato a serpente é uma figura alegórica. Representa tudo o que é contrário aos planos de Deus e que Eva simbolizou, enquanto Maria, chamada pelo Anjo na cena da Anunciação por “Ave”, ou seja, com as mesma letras mas lidas ao contrário por oposição a Eva, a sua descendência havia de vencer o demónio, levando-se em conta que à cabeça, num tempo que Deus sabia, estaria, um dia, Jesus, o Filho da grande mulher cheia de graça

Desta passagem bíblica retiramos que ao triunfo do Salvador se iria associar o triunfo da Mãe e desta asserção, surge a pergunta: em que tempo podemos situar o primeiro culto a Maria?
Seguramente, no decorrer do tempo apostólico onde ela assumiu por vontade de Deus o primado da Mãe Admirável.
Tendo em conta o livro: "Fátima, Altar do Mundo" diz o autor que esse tempo está profundamente ligado com a idade apostólica, pondo à frente S. Tiago Maior, pelo seguinte motivo que  a lenda – mais que a História – coloca na alma do povo.

Diz assim, a lenda: Na sua viagem de evangelização pela Hispânia – de acordo com o livro já citado -  o Apóstolo deteve-se algum tempo em Saragoça e, numa noite, estando a rezar na margem do Ebro, foi favorecido com a aparição de Nossa Senhora, então ainda viva, a pedir que lhe erguesse um altar. Apressou-se S. Tiago a cumprir os desejos da Virgem. Auxiliado por alguns discípulos dedicou-lhe um Oratório, a que sucedeu no volver dos tempos, o “amplo e augusto templo “ do Pilar.
Esta foi a primeira aparição de Nossa Senhora. Vivia-se o ano 40 da era cristã.
Corresponde, assim, a uma antiquíssima tradição e de tal modo, que ainda hoje, Nossa Senhora do Pilar é profundamente venerada em Saragoça.

Seguindo o mesmo livro, afirma-se que em terrenos onde se viria a implantar  Portugal doze séculos depois, como reflexo do que já havia acontecido em Saragoça, assim sucedeu com Nossa Senhora da Oliveira.
Na sua passagem pelo Ocidente, S. Tiago teria encontrado, nas terras onde havia de formar-se a vila de Guimarães, um santuário pagão dedicado à deusa Ceres. Purificou-o do culto idolátrico e consagrou-os aos mistérios cristãos, erguendo nele um altar com a imagem da Virgem.

Por tudo o que foi dito, Maria é venerada como Rainha de todos os Santos, razão, porque, ao falar do culto devido aos santos ela tem um tratamento próprio e muito especial, podendo-se afirmar que o culto dos santos está presente desde a sua origem associado aos valores evangélicos. Os primeiros cultuados como santos foram os mártires, ou seja, aqueles que deram a vida como testemunho de sua adesão à fé cristã. Foi, assim, até antes do final do primeiro século da cristandade.

Para os honrar a Igreja alinha-os num termo de origem grega – dulia – que significa a veneração que é prestada a alguém que gosta de se sentir útil e necessário e de não voltar atrás com a palavra assumida, nem com a missão de que é portador.

Eis, porque, todos os santos de Deus cabem por inteiro nesta definição.

Mas à Virgem - Rainha de todos os Santos - a Igreja, mãe e mestra da verdade, tendo partido dos mesmos predicados, entendeu que a qualidade da sua origem e a missão que lhe foi pedida – que a Senhora cumpriu na plenitude – ao transcender todos os santos, teria, naturalmente um tratamento diferente.
Designa, assim, de - hiperdulia -a veneração que lhe é devotada pelos fiéis, ao reconhecerem nela a assunção da vontade de Deus e o seu cumprimento por cima de todas as dores e martírios.

Pelo que já dissemos, Maria tornou-se por direito próprio a Advogada do povo cristão, profundamente abalado e sofredor através da devoção que marcou profundamente os primeiros trezentos anos da História da Igreja com o seu entrosamento compulsivo no poder da Roma imperial. Sofreu, assim, as variadas vicissitudes humanas e religiosas de que o séc. II é paradigma com a perseguição e o sofrimento de muitos dos santos mártires, porquanto viveram numa sociedade de prevalência pagã e hostil.

Durante a perseguição de Nero, o credo dos cristãos foi considerado superstição estranha e ilegal. Os pagãos desconfiavam deles e mantinham-nos à distância e não raro acusavam-nos dos delitos mais graves. Perseguidos eram aprisionados e, por fim, condenados ao exílio ou à morte. Impedidos de professar a sua fé, os cristãos serviam-se de símbolos que pintavam nas paredes das catacumbas.

Eis, porque, o povo cristão que sofreu durante tão largo período de tempo tenazes provações, realizava o culto às escondidas, nas catacumbas de Priscila, donde terão nascido as primeiras representações iconográficas da Virgem que são conhecidas, representada, ora a amamentar o Menino, como acontece numa Imagem do Século II nesta catacumba, ora em acto de adoração de braços abertos.
Situando-nos nesse tempo do Império Romano, afirma-se que Constantino I na  sequência de uma vitória junto às muralhas de Roma, teve um sonho, no qual lhe pareceu ver um escudo com uma cruz e ouvido uma voz que dizia: com este sinal vencerás, o que veio a acontecer.

Em 13 de Junho de 313  o Édito de Milão ao declarar que o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso, o Cristianismo passou a não ser perseguido de acordo com a vontade imperial. De tudo isto resultou que a cristandade viria a consolidar o culto a Maria, com incidência especial para o século VII. 

É em Espanha que começa a celebrar-se com assiduidade este culto a partir do ano 656 – que assinala o 10º Concílio de Toledo – com os Bispos ali reunidos a tomarem consciência da importância de recordar Maria enquanto protagonista do Mistério da Encarnação do Senhor. Com efeito, continuando a servir-nos do livro: Fátima, Altar do Mundo, retiramos dele a seguinte asserção: Desta festa nos deixaram precioso testemunho os padres do 10º Concílio de Toledo  (...). As igrejas hispânicas costumavam celebrar a festa da Anunciação a 25 de Março; como, porém, ocorria o tempo da Quaresma ou da Páscoa, determinou o Concílio que ela se transferisse para 18 de Dezembro.(...)

Tudo leva a crer, que tendo-se realizado este Concílio no primeiro dia do mês de Dezembro de 656, a primeira festa à Mãe de Jesus, terá ocorrido no dia 18 de Dezembro daquele longínquo ano.
É, pois, neste dia que a Igreja Paroquial de Nossa Senhora do Amparo realiza em honra do seu Orago a sua Festa anual.

É crível que o primeiro título de Nossa Senhora terá sido: Rainha dos Apóstolos com quem conviveu e com os quais estava no Dia de Pentecostes, presidindo  àquele Colégio a quem fora prometido o Consolador.

Maria era a Rainha daquele pequeno grupo reunido no Cenáculo.

Assim considerada, a Igreja passou a venerá-la no dia 22 de Agosto como a Memória Obrigatória de SANTA MARIA RAINHA, por força da Carta Encíclica do Papa Pio XII, dada na Festa da Maternidade de Nossa Senhora em 11 de Outubro de 1954, e da qual registamos o nº 8: Com razão acreditou sempre o povo fiel, já nos séculos passados, que a mulher, de quem nasceu o Filho do Altíssimo - o qual "reinará eternamente na casa de Jacó" (Lc 1,32.), (será) "Príncipe da Paz" (Is 9,6.), "Rei dos Reis e Senhor dos senhores" (Ap 19,16.)-, recebeu mais que todas as outras criaturas singulares privilégios de graça. E considerando que há estreita relação entre uma mãe e o seu filho, sem dificuldade reconheceu na Mãe de Deus a dignidade real sobre todas as coisas. (...)

A liturgia sagrada já invocava a Mãe de Deus com os títulos de Rainha dos Anjos, dos Patriarcas, dos Profetas, dos Apóstolos, dos Mártires, dos Confessores, das Virgens, de Todos os  Santos, Rainha Imaculada, Rainha do Santíssimo Rosário, Rainha da Paz e Rainha Assunta ao Céu.

A Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, em Guimarães é, possivelmente, o primeiro Templo dedicado a Nossa Senhora, por Mumadona, que foi condessa de Portugal no século X durante o primeiro Condado Portucalense. A sua construção remonta ao ano de 927-929, mas na realidade, pouco ou nada se conhece da primitiva igreja medieval, que era de invocação de Santa Maria de Guimarães e que, no século XV, começa a designar-se de Nossa Senhora da Oliveira, em virtude de uma piedosa lenda local que chegou até aos nossos dias.

Não há dados fidedignos, mas tudo leva a crer que o nosso primeiro rei, nascido quando sua mãe governava o Condado Portucalense, terá sido incentivado por esta Igreja e a sua titular, quanto ao cuidado a ter com as Festas marianas, sabendo-se que no princípio da monarquia se celebravam as seguintes festas de Nossa Senhora: Purificação a 2 de Fevereiro; Anunciação, a 25 de Março; Dormição, a 15 de Agosto; Natividade, a 8 de Setembro.

Tudo leva a crer que o culto a Nossa Senhora do Amparo teve a sua origem em Portugal, na Sé Catedral de Lamego construída entre os anos (1159-1191) onde havia uma imagem de Nossa Senhora do Amparo, que mais tarde foi transferida para o Santuário de Nossa Senhora do Amparo, (ou dos Meninos) em Britiande, junto à cidade de Lamego.

A ser assim, o título de Nossa Senhora do Amparo surgiu anos depois da edificação do Reino. (1143), podendo dizer-se que nasceu para ser o “amparo” de Portugal.

Antes de tecermos alguns comentários sobre este  culto que começou em Benfica em 1391, assinala-se que no século XV surgiu em Lisboa com o mesmo título, a  Capela de Nossa Senhora do Amparo que existiu debaixo dos “Arcos do Rossio”,  pertencentes ao Hospital Real de Todos-os-Santos, que existiu onde hoje é a Praça de Figueira, tendo a Capela sido destruída, com o Hospital no grande cataclismo de 1755.


Em sua memória temos hoje a Rua do Amparo que liga a Praça do Rossio à Praça da Figueira.

Nem tudo se perde na poeira do tempo.

Pelo facto da construção deste Hospital ter ocorrido entre os anos de 1492 e 1504, tudo leva a crer que a sua Capela ao adoptar o título da Senhora do Amparo, deixa de pé a seguinte conclusão: Tendo-se em conta que, na época, os fidalgos que em Benfica tinham as suas quintas e os seus solares de veraneio, em conjunto com os seus rendeiros e lavradores que iam vender os produtos hortícolas aos mercados de Lisboa, certamente teriam levado para aquela Capela da cidade o culto da Senhora do Amparo.

Benfica, como é sabido, na altura, era uma zona fora de portas – bem longe da cidade – razão suficiente para poder haver para a mesma Senhora, em locais diferentes, a veneração do mesmo título.
Mas não deixa de ser curioso, que dos “saloios” – como, na época, eram conhecidos os habitantes de Benfica - haja saído o culto de Nossa Senhora do Amparo, para ser “Amparo”, em primeiro lugar dos doentes que acorriam ao Hospital e, naturalmente, para socorrer a piedade da gente fidalga e abastada da Cidade de Lisboa.

Bem sabemos que tudo isto são suposições sobre as quais pesa a falta de dados, mas a que a lógica dos acontecimentos dão sustento lógico.

Em termos eclesiais o “amparo” como título honroso que a alma popular deu à Mãe de Deus, tem um significado que pela sua oportunidade nos conduz a uma conferência realizada em 1970, pelo Prof. Plínio Correia de Oliveira, que inspiradamente fala deste modo sobre o “amparo” e a Senhora do Amparo:

Qual é a invocação, o significado de Nossa Senhora do Amparo? Nossa Senhora do Amparo é exactamente Aquela que tem uma particular pena dos que estão desamparados. Sejam desamparados do ponto de vista da alma, seja desamparados do ponto de vista do corpo. E que com aquela compaixão especial que a mãe tem do filho aflito e precisado, faz coisas inimagináveis para ajudá-lo! Quer dizer, é Nossa Senhora de todas as solicitudes, é Nossa Senhora de todas as compaixões, é Nossa Senhora de todos os instantes em que o homem precisa de alguma coisa e recorre a Ela.

É-nos lícito admitir, que muitos séculos antes destes encómios do brilhante católico que foi Plínio Correia de Oliveira, o povo de Benfica – desamparado neste subúrbio da Cidade de Lisboa, no tempo e que se pensou erigir a primeira Igreja, tivesse tido alguma influência no título mariano a dar ao seu Orago.

Retomando o que já foi dito sobre a fé em Nossa Senhora do nosso primeiro Rei, sabe-se que ele apadrinhava os festejos populares e as celebrações litúrgicas dos Santos que viriam a ter uma maior devoção na era dos Descobrimentos, com o fim de abençoar a saída de marinheiros que iam enfrentar os mares, donde o “amparo” da Mãe de Deus, era, espiritualmente um dom muito acarinhado.

E, como se sabe, que o culto a Nossa Senhora do Amparo – logo a seguir à descoberta do Brasil foi muito difundido naquelas paragens  – é facto assente que chegou ali, tendo sido levado de Benfica (séc. XIV) ou de Lisboa (Rossio) (séc. XV) a menos, contra as nossas expectativas, que tudo tivesse acontecido a partir da cidade de Lamego, como se disse, o primeiro local onde se venerou Nossa Senhora do Amparo. (século XII).

A afirmação que fazemos é, como se torna evidente, uma suposição que advém da  história do tempo não ter deixado marcas palpáveis neste campo, mas não deixa de ser oportuno referir o seguinte:
A Senhora do Amparo  tendo “embarcado” nas  naus que enfrentaram o mar até fundearem no lugar a que deram o nome de  Porto Seguro, local onde se celebrou a primeira Missa em 26 de Abril de 1500 – Domingo de Páscoa – terá estado presente sob o olhar do celebrante Frei Henrique de Coimbra.

É uma outra suposição, mas a História, quando não existe escrita, baseia-se na lógica sucessão dos acontecimentos.

A propósito de tudo o que temos dito, vamos referir um documento da Congregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora do Amparo, em Petrópolis, no  Brasil, que comprova – ou parece confirmar – o que dizemos:

A invocação a Nossa Senhora do Amparo tornou-se popular na velha Lusitânia, entre os marujos que, em suas longas e perigosas travessias, imploravam a protecção e o amparo de Maria, ao enfrentarem as tempestades e os riscos do oceano desconhecido.

Logo após o descobrimento do Brasil, o culto a Nossa Senhora do Amparo chega até nós. Em Olinda, Pernambuco, um dos primeiros templos lhe é consagrado. A Cidade de Fortaleza teve sua origem no forte de Nossa Senhora do Amparo.
Na verdade, o amparo de Maria está presente em nossos momentos de dor, de aflição e de alegria. Ela está junto à cruz de cada um de seus filhos. Ela é o amparo das crianças e dos sofredores.

1 comentário:

  1. Agradeço ao Sr. Teodoro Mendes, bom amigo e colaborador, a belíssima e rica partilha de investigação acerca da devoção mariana sob o título de Nossa Senhora do Amparo. Com o seu contributo ficamos mais ricos de conhecimento e tudo o que se refere a Nossa Senhora do Amparo não nos deixa indiferentes por nos ter envolvido tantas vezes em tempos passados.
    Não deixo de associar esta partilha do Sr. Teodoro Mendes ao seu dia de aniversário. Por esse motivo, com votos da melhor saúde com o amparo de Nossa Senhora, lhe endereço o abraço de parabéns, com amizade e gratidão.
    + José Traquina, bispo auxiliar de Lisboa

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