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segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Uma carta para um destinatário muito antigo...

D, Afonso Henriques
in, "Quadros Históricos de Portugal" de António Feliciano de Castilho
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D. Afonso Henriques;

Permite, por favor, que um plebeu como eu me dirija à memória da tua realeza passada - pelos vistos para sempre da Pátria que em Lamego tornaste independente - para neste momento em que o poder da minha mente, por obra e graça de Deus consegue ir atrás e lembrar os teus feitos guerreiros para consolidar este "cantinho à beira mar plantado" como havia de dizer, séculos depois, um plebeu como eu, mas um insigne Poeta, para dizer à tua alma que tudo quanto fizeste, mereceu a pena.

Ouço, por vezes dizer, uns plebeus mal informados e deformados, que a culpa foi tua, a começar pela cena que a tua mãe te obrigou a fazer, andando de amores com um tal fidalgo galego e que lhe devias ter obedecido em vez de teres tido a toleima de querer acabar com o Condado Portucalense, para o substituíres pelo Reino de Portugal que tantas pelejas te custou contra os nossos vizinhos, de que fazia parte o tal fidalgo galego Fernão Peres de Trava, amante de Teresa de Leão, a mãe que te deu à luz do Mundo e a quem não perdoaste o concubinato.

Reafirmo que tudo quanto fizeste mereceu a pena.

Mesmo o Império que perdemos porque os ventos da História não podiam ser contrariados por mais tempo, e de tudo quanto ficou, sabermos que repousas na Pátria que tanto amaste e que todos amamos, pesem embora os revezes actuais que nos estão causando alguns engulhos, que hoje, não podem ser combatidos à força da tua antiga espada - e, porque, as que temos são hoje peças de museu - mas têm de ser combatidos à força do peso histórico da Nação que tu criaste e é das mais velhas desta Europa em bolandas e à mercê de uns tantos senhores que não querem saber quem tu foste, o que fizeste e nos deixaste, para nos imporem jugos pesados.

Temos culpa de muitos desses jugos, porque nos têm faltado homens da tua têmpera de mando e de poder, e que a falar verdade - não podemos culpar os actuais - mas os que não souberam ser herdeiros e transmissores do sangue português que teve em ti a força que a pouco e pouco fomos perdendo a partir de 1820...

Termino.

Que a tua alma receba o preito de gratidão do velho português que eu sou, algo desencantado mas agarrado a uma esperança que o faz viver para morrer amando a Pátria que tu criaste naquele dia em que nas cortes de Lamego - sendo mito ou não - deste início ao Reino de Portugal, hoje uma República a ver se "leva a carta a Garcia"!

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