Nos meus romances não há
indivíduos caracterizadamente maus.Não tenho pintado crimes; quando muito,
vícios. Alguém há que metem feito o favor de me louvar essa falta como virtude,
como se andasse nisso propósito literário. Verdadeiramente não há.
Não penso que o estudo moral de
uma alma criminosa ou perversa não seja digno da arte. O que me custa a admitir,
a não ser como excepção rara, são os tiranos sem lógica, sem motivo, que amam o mal
por instinto e sem que à prática dele sejam levados por o impulso de uma paixão.
A razão por que fogem do campo da
minha imaginação aqueles tipos é outra. Tanto eu me deleito em conceber um
carácter com que simpatize, em o encarar por todas as suas faces para as pôr em
evidência aos olhos do leitor, em vê-lo em acção e em harmonizar o diálogo com
esse carácter, quanto me repugna e enfastia o demorar o pensamento em um tipo
antipático, em um carácter revoltante, em uma destas criaturas em cuja
contemplação a alma se enoja ou se indigna.
O artista deve vencer essa
repugnância, se a arte o exigir. Eu,porém, que procuro na cultura das letras
distracção e não a tomo por ofício, quero condescender com os meus prazeres, sem
que deixe por isso de admirar as concepções magníficas dos romancistas que sabem pintar
o mal e a perversidade, sempre que o fazem, por assim dizer, logicamente.
Funchal, Novembro de 1869.
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No seu livro "INÉDITOS E ESPARSOS" Júlio Dinis neste apontamento em que nos dá conta da sua estadia no Funchal, em 1869, onde foi para retemperar a saúde dos problemas pulmonares que o ceifaram bem cedo do convívio dos seus familiares e dos muitos amigos que granjeou no decorrer da sua vida breve, mas cheia de um saber que lhe veio pela cultura académica e da sua licenciatura em Medicina, escreve esta jóia de análise humana e literária que é um retrato fiel da sua conduta civil e literária.
Com efeito em toda a sua obra não há indivíduos caracterizadamente maus, daqueles que causam repugnância ao leitor, mas como ele diz, indivíduos que se deixam entregar ao vício de serem pessoas com necessidade de serem corrigidos.
Júlio Dinis foi assim.
Uma vida que passou e deixou a sua marca de um escritor bucólico que foi buscar ao povo as personagens de que encheu vários romances de leitura agradável, em que a trama urdia serena, amistosa, compreensiva, e educacional, que sendo uma amostragem da verdade mais genuína que ele captou no povo do Norte de Portugal, fez dele um autor aplaudido no seu tempo e que chegou incólume até às gerações da meia centena do século passado, tendo perdido, desde então para cá, muito do valor que ele soube pintar nas suas personagens.
Júlio Dinis bem merecia uma releitura das suas obras!
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