Discurso de
António Barreto, Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de
Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas
10.06.2011 -
15:32
Castelo
Branco, 10 de Junho de 2011
Nada é novo.
Nunca! Já lá estivemos, já o vivemos e já conhecemos. Uma crise financeira, a
falência das contas públicas, a despesa pública e privada, ambas excessivas, o
desequilíbrio da balança comercial, o descontrolo da actividade do Estado, o
pedido de ajuda externa, a intervenção estrangeira, a crise política e a
crispação estéril dos dirigentes partidários. Portugal já passou por isso tudo.
E recuperou. O nosso país pode ultrapassar, mais uma vez, as dificuldades
actuais. Não é seguro que o faça. Mas é possível.
Tudo é novo.
Sempre! Uma crise internacional inédita, um mundo globalizado, uma moeda comum
a várias nações, um assustador défice da produção nacional, um insuportável
grau de endividamento e a mais elevada taxa de desemprego da história. São
factos novos que, em simultâneo, tornam tudo mais difícil, mas também podem
contribuir para novas soluções. Não é certo que o novo enquadramento
internacional ajude a resolver as nossas insuficiências. Mas é possível.
Novo é também
o facto de alguns políticos não terem dado o exemplo do sacrifício que impõem aos
cidadãos. A indisponibilidade para falarem uns com os outros, para dialogar,
para encontrar denominadores comuns e chegar a compromissos contrasta com a
facilidade e o oportunismo com que pedem aos cidadãos esforços excepcionais e
renúncias a que muitos se recusam. A crispação política é tal que se fica com a
impressão de que há partidos intrusos, ideias subversivas e opiniões
condenáveis. O nosso Estado democrático, tão pesado, mas ao mesmo tempo tão
frágil, refém de interesses particulares, nomeadamente partidários, parece
conviver mal com a liberdade. Ora, é bom recordar que, em geral, as
democracias, não são derrotadas, destroem-se a si próprias!
Há momentos,
na história de um país, em que se exige uma especial relação política e
afectiva entre o povo e os seus dirigentes. Em que é indispensável uma
particular sintonia entre os cidadãos e os seus governantes. Em que é
fundamental que haja um entendimento de princípio entre trabalhadores e
patrões. Sem esta comunidade de cooperação e sem esta consciência do interesse
comum nada é possível, nem sequer a liberdade.
Vivemos um
desses momentos. Tudo deve ser feito para que estas condições de sobrevivência,
porque é disso que se trata, estejam ao nosso alcance. Sem encenação medíocre e
vazia, os políticos têm de falar uns com os outros, como alguns já não o fazem
há muito. Os políticos devem respeitar os empresários e os trabalhadores, o que
muitos parecem ter esquecido há algum tempo. Os políticos devem exprimir-se com
verdade, princípio moral fundador da liberdade, o que infelizmente tem sido
pouco habitual. Os políticos devem dar provas de honestidade e de cordialidade,
condições para uma sociedade decente.
Vivemos os
resultados de uma grave crise internacional. Sem dúvida. O nosso povo sofre o
que outros povos, quase todos, sofrem. Com a agravante de uma crise política e
institucional europeia que fere mais os países mais frágeis, como o nosso.
Sentimos também, indiscutivelmente, os efeitos de longos anos de vida
despreocupada e ilusória. Pagamos a factura que a miragem da abundância nos
legou. Amargamos as sequelas de erros antigos que tornaram a economia
portuguesa pouco competitiva e escassamente inovadora. Mas também sofremos as
consequências da imprevidência das autoridades. Eis por que o apuramento de
responsabilidades é indispensável, a fim de evitar novos erros.
Ao longo dos
últimos meses, vivemos acontecimentos extraordinários que deixaram na população
marcas de ansiedade. Uma sucessão de factos e decisões criou uma vaga de
perplexidade. Há poucos dias, o povo falou. Fez a sua parte. Aos políticos cabe
agora fazer a sua. Compete-lhes interpretar, não aproveitar. Exige-se-lhes que
interpretem não só a expressão eleitoral do nosso povo, mas também e sobretudo
os seus sentimentos e as suas aspirações. Pede-se-lhes que sejam capazes, como
não o foram até agora, de dialogar e discutir entre si e de informar a
população com verdade. Compete-lhes estabelecer objectivos, firmar um pacto com
a sociedade, estimular o reconhecimento dos cidadãos nos seus dirigentes e
orientar as energias necessárias à recuperação económica e à saúde financeira.
Espera-se deles que saibam traduzir em razões públicas e conhecidas os
objectivos das suas políticas. Deseja-se que percebam que vivemos um desses
raros momentos históricos de aflição e de ansiedade colectiva em que é preciso
estabelecer uma relação especial entre cidadãos e governantes. Os Portugueses,
idosos e jovens, homens e mulheres, ricos e pobres, merecem ser tratados como
cidadãos livres. Não apenas como contribuintes inesgotáveis ou eleitores
resignados.É muito difícil, ao mesmo tempo, sanear as contas públicas, investir
na economia e salvaguardar o Estado de protecção social. É quase impossível.
Mas é possível. É muito difícil, em momentos de penúria, acudir à prioridade
nacional, a reorganização da Justiça, e fazer com que os Juízes julguem
prontamente, com independência, mas em obediência ao povo soberano e no
respeito pelos cidadãos. É difícil. Mas é possível.
O esforço que
é hoje pedido aos Portugueses é talvez ímpar na nossa história, pelo menos no
último século. Por isso são necessários meios excepcionais que permitam que os
cidadãos, em liberdade, saibam para quê e para quem trabalham. Sem respeito
pelos empresários e pelos trabalhadores, não há saída nem solução. E sem
participação dos cidadãos, nomeadamente das gerações mais novas, o esforço da
comunidade nacional será inútil.
É muito
difícil atrair os jovens à participação cívica e à vida política. É quase
impossível. Mas é possível. Se os mais velhos perceberem que de nada serve
intoxicar a juventude com as cartilhas habituais, nem acreditar que a escola a
mudará, nem ainda pensar que uma imaginária "reforma de mentalidades"
se encarregará disso. Se os dirigentes nacionais perceberem que são eles que
estão errados, não as jovens gerações, às quais faltam oportunidades e
horizontes. Se entenderem que o seu sistema político é obsoleto, que o seu
sistema eleitoral é absurdo e que os seus métodos de representação estão
caducos.
Como disse um
grande jurista, “cada geração tem o direito de rever a Constituição”. As jovens
gerações têm esse direito. Não é verdade que tudo dependa da Constituição. Nem
que a sua revisão seja solução para a maior parte das nossas dificuldades. Mas
a adequação, à sociedade presente, desta Constituição anacrónica, barroca e
excessivamente programática afigura-se indispensável. Se tantos a invocam, se
tantos a ela se referem, se tantos dela se queixam, é porque realmente está
desajustada e corre o risco de ser factor de afastamento e de divisão. Ou então
é letra morta, triste consolação. Uma nova Constituição, ou uma Constituição
renovada, implica um novo sistema eleitoral, com o qual se estabeleçam
condições de confiança, de lealdade e de responsabilidade, hoje pouco
frequentes na nossa vida política. Uma nova Constituição implica um reexame das
relações entre os grandes órgãos de soberania, actualmente de muito confusa
configuração. Uma Constituição renovada permitirá pôr termo à permanente ameaça
de governos minoritários e de Parlamentos instáveis. Uma Constituição renovada
será ainda, finalmente, o ponto de partida para uma profunda reforma da Justiça
portuguesa, que é actualmente uma das fontes de perigos maiores para a
democracia. A liberdade necessita de Justiça, tanto quanto de eleições.Pobre
país moreno e emigrante, poderás sair desta crise se souberes exigir dos teus
dirigentes que falem verdade ao povo, não escondam os factos e a realidade,
cumpram a sua palavra e não se percam em demagogia!
País europeu e
antiquíssimo, serás capaz de te organizar para o futuro se trabalhares e
fizeres sacrifícios, mas só se exigires que os teus dirigentes políticos,
sociais e económicos façam o mesmo, trabalhem para o bem comum, falem uns com
os outros, se entendam sobre o essencial e não tenham sempre à cabeça das
prioridades os seus grupos e os seus adeptos.
País perene e
errante, que viveste na Europa e fora dela, mas que à Europa regressaste, tens
de te preparar para viver com metas difíceis de alcançar, apesar de assinadas
pelo Estado e por três partidos, mas tens de evitar que a isso te obrigue um
governo de fora.
País do sol e
do Sul, tens de aprender a trabalhar melhor e a pensar mais nos teus filhos.
País desigual
e contraditório, tens diante de ti a mais difícil das tarefas, a de conciliar a
eficiência com a equidade, sem o que perderás a tua humanidade. Tarefa difícil.
Mas possível.
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