Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito (...)
Camões, in Lusíadas,
canto III, (parte da estrofe nº120)
O rei D. Afonso IV é uma
das principais personagens masculinas de “A Castro”, de António Ferreira, drama
onde avulta a figura histórica do “Bravo”, e que o autor pretende
retractar numa trama de grande poder emocional, servindo-se de um episódio verídico
da nossa história, no decorrer da Primeira Dinastia: a relação amorosa vivida
entre o filho, D. Pedro e D. Inês de Castro, que teve um trágico final, com o
rei a fazer de juiz no intuito de aplacar todos aqueles que a seu lado o
aconselhavam contra o perigo que constituía , na Corte, a presença
daquela mulher.
O drama é bem conhecido.
O filho de Afonso IV que
a História regista como - D.
Pedro I, o Justiceiro - casou
com uma infanta de Aragão, Dona Constança Manuel, filha de um fidalgo
castelhano. No séquito da Princesa veio Inês de Castro como dama de companhia,
uma estrangeira muito bonita, oriunda de famílias ricas e nobres da Galiza e de
Castela.
D. Pedro, depois da
morte prematura da mulher, passou a viver com ela, de quem teve três filhos.
A amizade do príncipe D.
Pedro, aos irmãos e amigos de Inês era grande. Os fidalgos portugueses, temendo
que isso pusesse em perigo a independência do reino, pelo facto – plausível
- que algum dos bastardos pudesse, futuramente, impugnar a legitimidade
de D. Fernando, o filho nascido do seu casamento com D. Constança, convenceram
D. Afonso IV do perigo que Inês de Castro representava, estando viva. Os
conselheiros do rei, entre os quais figuravam os aguerridos e intriguistas,
Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes Pacheco, reunidos com este em
Conselho, no castelo de Montemor o-Velho, acabaram por vencer a hesitação
do Rei, não tendo encontrado melhor solução que não fosse dar a morte, logo
possível, à bela castelhana.
Aproveitando o facto de D. Pedro estar fora, numa caçada, a 7
de Janeiro de 1355, aqueles três nobres aproveitam a ausência do Príncipe para
invadir o Paço de Santa Clara, em Coimbra, onde levam a cabo a selvajaria
hedionda, no momento seguinte, quando D. Afonso IV deixou de ouvir os apelos de
Inês, ajoelhada, com os filhos a seus pés e se retirou, angustiado, deixando a
sorte da amante do filho ao arbítrio malévolo daqueles três conjurados.
António Ferreira é o
celebrado autor do drama “A Castro”, que num dado passo leva Inês a censurar a
frouxidão de D. Afonso IV, perante as invectivas dos fidalgos que queriam a sua
morte, implorando-lhe:
Esta é a mãe dos teus
netos. Estes são
Filhos daquele filho,
que tanto amas.
Esta é aquela coitada
mulher fraca,
Contra quem vens armado
de crueza.
Que te posso querer, que
tu não vejas?
Pergunta-te a ti mesmo o
que me fazes,
A causa, que te move a
tal rigor.
Dou tua consciência em
minha prova.
S’os olhos de teu filho
s’enganaram
Com o que viram em mim,
que culpa tenho?
Paguei-lhe aquele amor
com outro amor,
Fraqueza costumada em
todo estado.
Se contra Deus pequei,
contra ti não.
Não soube defender-me,
dei-me toda,
Não a inimigos teus, não
a traidores.
A que alguns segredos
descobrisse
Confiados em mim, mas a
teu filho,
Príncipe deste Reino. Vê
que forças
Podia eu ter contra
tamanhas forças.
Durante toda a vida, D.
Pedro nunca esqueceu a sua amada nem os seus assassinos.
Conseguiu deitar a mão a
Pêro Coelho e fez-lhe arrancar o coração pelo peito, apanhou Álvaro Gonçalves e
arrancou-lhe o coração pelas costas. Escapou Diogo Lopes Pacheco, refugiado em
França.
A Inês de Castro fê-la
coroar Rainha.
A sua trasladação de
Coimbra para Alcobaça - onde se encontram os belíssimos túmulos do Rei e de
Inês - são a prova evidente do grande amor que ele viveu, obrigando os
vassalos a respeitá-lo.
A personagem de D.
Afonso IV é exemplar perante o drama que ele foi forçado a viver.
Demonstra a existência
milenar do conflito que se estabelece sempre entre a liberdade de
julgar - ou não - do homem enquanto agente comum da sociedade e a
inevitabilidade do seu julgamento enquanto homem de Estrado, sabendo que os
seus actos não deixarão de ser julgados perante a História e pelo povo que ele
representa.
No drama “A Castro” tudo
se conjuga para dar a ideia de que o Rei tem liberdade para escolher o destino
final de D. Inês de Castro, pelo facto de ser ele mesmo, o juiz de quem se
esperava para bem do povo, a melhor sentença.
No entanto, essa
liberdade é anulada, porque a personagem não era um homem comum, mas o Rei que
se vê ultrapassado pela necessidade de se cumprir como que a inevitabilidade de
um destino fatal para a personagem que é acusada.
António Ferreira segue
no drama as regras clássicas do tempo.
“A Castro” é a única
tragédia de cunho clássico, escrita em português, durante o Renascimento e que
sobreviveu até aos dias de hoje. Nela, o rei é uma personagem angustiada que se
divide entre o receio de cometer uma injustiça dando ouvidos aos seus
conselheiros nas razões que estes lhe apontavam como sendo as melhores para a
Pátria de que ele era o garante máximo, e as razões de coração que lhe pediam
que poupasse a mãe dos seus netos, o que ele não consentiu, por razões de
Estado.
Aquele homem atribulado
e gasto pelos acontecimentos, à beira da morte no ano de 1357, não deixa,
talvez roído pelos remorsos, de pedir a D. Pedro I – já eleito rei de Portugal
- que não persiga os matadores de Inês de Castro, pedido do qual ouve
dizer, pela boca do filho que já estavam perdoados.
Tal não aconteceu, como
sabemos.
D. Pedro, também
conhecido pelo “Cru” jamais lhes perdoaria e deve ter sido de tal modo
impreciso e ambíguo no modo como assentira no perdão que o pai lhe pedira para
os algozes, que este não acreditou na palavra dada, pois dela sempre
desconfiou, sendo dessa desconfiança que partiu a ordem, dada por si mesmo,
para os assassinos da bela Inês se refugirem em Castela, o que veio a acontecer.
Neste drama, o rei D.
Afonso IV é a personagem central, por ter sido chamada a decidir pela
morte da mulher de seu próprio filho e mãe dos seus netos, deixando os
assassinos à rédea solta e, depois, aconselhando e incentivando
a fuga dos assassinos, arcando com as culpas de ter deixado aqueles homens
cruéis fazer justiça contra as leis do seu coração de pai e avô.
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