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No Adamastor de Os Lusíadas, o grande poema épico de
Luís de Camões, dos maiores da Literatura mundial, o Poeta restaura a figura
mitológica de um dos titãs que se revoltaram contra Zeus e foram por este
severamente castigados ao ponto de serem transformados em rochedos, ilhas e
promontórios. Conforme o relato do épico, no início o seu aspecto é o de uma
figura grandiosa, estranha e horrenda. A aparência descomunal do colosso é
sugerida ainda antes de ele surgir, como se observa nas estrofes 37 e 38 do
canto V, quando se forma uma temerosa nuvem negra, acompanhada dos urros
insanos do mar irado.
Este aspecto negro e carregado do céu e do mar
funciona como uma espécie de presságio, anunciando qualquer coisa de temível,
que vem a corporizar-se no “Adamastor” e, desde logo, na sua postura medonha
e má:
"Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura,
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a cor terrena e pálida,
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos. (1)
A sua imagem traduz as dificuldades sentidas pelos
navegadores na passagem do Oceano Atlântico para o Oceano Índico, ao dobrarem o
então chamado Cabo das Tormentas, mais tarde baptizado com o nome da Boa
Esperança, por simbolizar as descobertas que havia para fazer.
É um processo de enaltecimento da raça que se atreveu
a dobrar o Cabo das Tormentas,
encarnando a vingança dos elementos naturais face à audácia dos
navegadores portugueses que se atreviam a penetrar em espaços até então
inacessíveis ao homem.
Na primeira parte do seu discurso o “Adamastor” apresenta-se
como rei e senhor do mar tenebroso e desconhecido, ameaçando os portugueses que
a todo o custo queriam devassar os domínios secretos que só ele dominava,
levando-o a profetizar para eles castigos futuros.
Na segunda parte do seu discurso, o Adamastor,
identificando-se com o cabo Tormentório e elogiando-se por ter conseguido o
domínio dos mares, logo se abre em confidências, revelando os acontecimentos
que o levaram até àquele estado. A sua paixão por Tétis mereceu o castigo dos
deuses, que converteram o seu gigantesco corpo no Cabo das Tormentas.
O Adamastor, surge no poema de Camões, como uma
criação maravilhosa a corporizar e a simbolizar a quase intransponível força do
Oceano naquele lugar.
O gigante é, pois, o símbolo de todas as forças cósmicas
que continuamente limitam o homem na sua sede de aventura.
A vitória dos nautas portugueses sobre o obstáculo que
este gigante constituía significou para
sempre o completo domínio dos mares
pelas naus que passaram adiante e daquelas que esperavam em Lisboa por notícias
da empresa levada a cabo em 1487, por Bartolomeu Dias a mando de el-Rei D. João
II.
(1) -
Lusíadas, canto V, estrofe 39
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