Afonso da
Maia é o senhor da Casa do Ramalhete, em “Os Maias”, de Eça de Queirós.
Homem um
pouco baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes (...) lembrava um varão
esforçado das idades heróicas.
Era nele,
o velho herdeiro e no neto Carlos, a que estava reduzida a família de “Os
Maias” que encontrava na sua grande honestidade e princípios puros, um carácter
de eleição que tendo vivido as mudanças políticas do século XIX, apadrinhara um
liberalismo de princípios sadios, o que não evitou, apesar disso, que tivesse
sido considerado de jacobino – e apelidado de Marat - pelo pai que o desterrou para Santa Olávia, a
quinta da família, nas margens do rio Douro, até que, pedido o perdão das
tropelias, o pai, acedeu ao desejo que ele tinha de visita a Inglaterra, para
onde abalou e onde se manteve até à morte do progenitor.
Deslocando-se
a Lisboa por esse infausto acontecimento, conheceu e veio a casar com D. Maria Eduarda Runa, uma senhora dessa
Lisboa miguelista em que ele zurzia – lembrando-se dos seus velhos ideais que
não aceitavam a teoria do rei absoluto – até que num certo dia viu a sua casa
ser arrombada e rebuscada, pelo juiz de fora a procurar papéis e
armas escondidas, devido ao seu conhecido desprezo pela aristocracia e pelo
governo de Portugal, que havia, na época, sufocado o liberalismo nascente.
Afonso da Maia, representa no livro de Eça, uma das alas mais liberais e descontentes da nobreza que se vira forçada
ao exílio, no seu caso, em Inglaterra, para onde regressou com a mulher e o seu
filho, Pedro, desprezando el-rei D. Miguel e os seguidores do absolutismo
reinante.
Regressado,
por fim, a Portugal, fica viúvo, e é com desgosto que dá conta do liberalismo
que se instalara no País – uma doutrina criadora de castas entre homens da
mesma ideia – facto que a sua alma recta não aceitava, o que o leva a abandonar
os seus ideais políticos e sonhos de juventude.
Ganhara
nesta luta íntima uma forte resistência e é, assim, que na sua vida privada
deixa transparecer a sua fortaleza moral ao resistir ao casamento do filho,
Pedro, com Maria Monforte, sabendo estar à altura dos acontecimentos quando
esta foge para Itália, levando como amante um napolitano e resistindo ao
consequente suicídio de Pedro.
Afonso da
Maia, avô extremoso toma então a seu cargo a educação do neto, Carlos. Com
remorsos pela educação que dera ao filho, tenta redimir-se no neto,
formando-lhe o carácter por forma a que ele enfrentasse a vida e os seus
problemas, o que não sucedera com Pedro.
Pela pena
de Eça, o ancião assume-se sempre como uma figura patriarcal que aprecia o seu
sossego e intimidade, sempre pronto a ser esmoler e sem recusar uma ajuda que
se torne necessária. Apenas se sente dobrado quando se dá conta da desgraça do
neto, quando este se apaixona e se torna amante de Maria Eduarda, filha do
napolitano e de Maria de Monforte, sua mãe, cometendo incesto com aquela irmã
que todos julgavam morta.
Este passo
doloroso foi definitivo. Atingiu mortalmente o velho ancião que havia já
resistido a tantos desgostos, a começar na juventude pelo seu sonho de um
liberalismo de rosto humano que não encontrou e, depois, sofrendo desgostos
pessoais, como o do filho Pedro que o esmagara no viço dos anos e, agora, a
infelicidade do neto que o esmaga no fim da sua velhice.
Afonso da
Maia retracta um tipo da nobreza abastada, caridosa mas desaponta do mundo. De
grande amor à Pátria, apesar de distanciado do poder, possui uma saudável
moral, parecendo, no entanto, dar mostras de agnosticismo. Mas é, nesta
atitude, que nele estava a diferença entre o catolicismo de sacristia e o
verdadeiro, que no seu caso nada tinha a ver com o medo de Deus, mas, sim, com
o respeito pelos seus companheiros de jornada. É por isto, que morre
desgostoso.
Sendo,
embora, uma das mais belas figuras de “Os Maias” Afonso da Maia, cometeu o pecado de nem sempre ter dirigido a sua casa com o sentido da sua própria
responsabilidade, passando essa tarefa
para um procurador, podendo, por isso, ser apontado como influente na sorte do
neto, o que não pouco contribuiu para deitar abaixo o roble humano que ele foi.
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