1 - Antecedentes
históricos que assinalam a presença dos judeus na Ibéria
A presença dos judeus na Península
Ibérica remonta ao tempo do sucessor de David, e filho da sua concubina
Betsabea, o rei Salomão (970 a
931 a .
C.) tendo estes chegado com alguns
comerciantes de Tiro e, ao mesmo tempo com os
fenícios, os “donos do mar” e, mais tarde, no tempo do rei da Babilónia,
Nabucodonozor (605 a
562 a .C.)
que em 562 e 568 invadiu Jerusalém, tendo na última das invectivas deportado o
seu povo para o cativeiro babilónico, tendo muitos deles fugido e ficado
dispersos pelo mundo, havendo muitos rumado para a Península Ibérica.
Após a derrota de Cartago em
consequência da terceira Guerra Púnica (1) (149-146 a .C.) os romanos
assumiram o controle da Península com o domínio sobre aquela posição
estratégica a que se seguiu a derrota de Numância, por Cipião, o Africano,
tendo todo o território que hoje forma Portugal e Espanha ficado sob o domínio
de Júlio César.
Nesse tempo miIlhares de famílias da
tribo de Judá e da tribo de Benjamim foram deportadas pelos romanos que
dominavam o Oriente Médio para engrossar os habitantes da Península, já então
romanizada, indo muitas essas famílias para a Galiza, o território onde,
séculos depois, teriam origem as vicissitudes históricas que haveriam e estar
na origem do nascimento de Portugal.
Há relatos do séc. I d. C. que
asseguram que cerca de cinquenta mil judeus se estabeleceram no Sul da
Península e, mais tarde, reforçando esta realidade histórica, os Concílios da
Igreja Católica de Orleãs (538 d.C) e Toledo (633 d.C.) fazem alusão à presença
judaica neste extremo ocidental do mundo.
Os judeus constituíram, desse modo,
uma fracção importante da população ibérica, convivendo e cultivando as tradições, língua e religião
desde muito antes dos cartagineses e dos romanos dominarem a península.
Após
o colapso do Império Romano do Ocidente em 476 d.C., os bárbaros cristãos
(geralmente germanos e eslavos cristianizados recentemente) passaram a dominar
a região dando fim à Civilização Ocidental ou Antiguidade Clássica e iniciando
com esse passo histórico a chamada Idade Média.
Sob a dominação em 409 dos Suevos
que tinham os seus governantes a residir em, ou perto de Bracara Augusta
(Braga) e Portucale, (Porto) e dominando
com os Vândalos toda a faixa norte de Portugal e abrangendo todo o território
da actual Galiza a situação dos judeus foi relativamente estável, tendo-se
degradado as suas condições de vida com a hegemonia visigótica sobre estes
dois povos e sobre os Alanos, situados
mais ao Sul, povos com quem foi tentada
uma unificação não concretizada nesse período, pelo facto dos visigodos
professarem o arianismo (2) e
eles o catolicismo, razão que adiou esta
fusão até 589, ano em que o rei Recaredo, por ocasião do Concílio de Toledo
abjurou o arianismo e proclamou o
catolicismo como religião oficial da Espanha visigótica, decisão que causou
grande perturbação entre os judeus, motivo suficiente para passarem a ser
perseguidos, continuando assim em 702 com Egica e com Vitiza em 710, até a
Ibéria ter sido derrotada pelos árabes mulçumanos em Abril de 711, quando Tarik
Ibn Ziad, comandando sete mil homens oriundos da etnia berber, vindos do norte
de África, cruzou o Estreito de Gibraltar e invadiu a Espanha visigótica, tendo morto Rodrigo, o seu último rei e instalando-se em
Códoba.
Depois da invasão árabe, os judeus
voltaram a ser bem tratados pelos governantes da maior parte dos reinos árabes.
Desde que pagassem pontualmente seus impostos e não afrontassem os dogmas
islâmicos, poderiam viver em paz.
2 – Desde
o advento da nacionalidade portuguesa até à sua conversão forçada
Os muçulmanos berberes haviam conquistado toda a Península no séc.
XI, com a excepção de uma região montanhosa situada na Serra das Astúrias onde
se foi refugiar Pelágio, o príncipe godo que esteve na origem da Reconquista
cristã a que os seus sucessores deram incremento, contando-se nesse mesmo
século com a fundação dos reinos de Astúrias, Oviedo, Leão, Navarra, Aragão,
Castela e os condados de Portucalle (em Portugal) e Barcelona.
Nesse afã, em 1085 foi tomada a
cidade de Toledo e no ano de 1128, D. Afonso Henriques declarou a independência
de Portugal, após a expulsão dos mouros do condado.
Ao tomar o importante bastião da moirama que era
Santarém, no ano de 1147, o nosso primeiro rei encontrou ali populosas e
trabalhadoras colónias de gente judaica que continuaram a conviver com os
habitantes portugueses, que lhes dedicavam, ao invés do que acontecia em
Espanha, uma melhor aceitação social, porque lá, eram ferozes os ataques às
judiarias, como aconteceu em Toledo em 1355, em Palma de Maiorca, em 1391 e em
Sevilha, no mesmo ano, tendo a institucionalização da Inquisição, em 1478,
obrigado a fugir para Portugal muitos milhares de judeus.
Segundo alguns autores entre 90 a 130 mil passaram a
fronteira, estando entre eles, Isaac Abravanel que foi ministro de Isabel I de
Inglaterra e Abraão Zacuto (3),
que foi um importante astrónomo.
Há quem estime que a população
judaica em Portugal no século XV atingia uma quarta parte da população
portuguesa e foi essa massa ingente de fugitivos e desenraizados que originou
que entre nós começasse a haver algum ódio, desconfiança e agressividade contra
eles, ao ponto do rei D. João II, ter feito um decreto em que o Estado lucrava
por cabeça uma dada quantia em dinheiro da época, em troca da permanência dos judeus
castelhanos entre nós, muitos deles tornados escravos da fidalguia lusa.
Apesar de tudo isto, no governo de
D. João II (1481-1495) os judeus gozaram de alguns benefícios, como foi a
medida régia de protecção desta minoria contra eventuais levantamentos
populares, para que não acontecesse entre nós a bestialidade que aconteceu em
Espanha.
3 – A
conversão forçada (cristãos novos)
Em 1495, D. Manuel I assumiu o trono
português e concedeu liberdade aos judeus castelhanos que haviam sido escravizados,
mas uma cláusula do seu casamento com a princesa Isabel, filha dos reis
católicos de Espanha, impunha a expulsão dos hereges que habitavam em Portugal
– judeus e mouros – o que seria um desastre económico, sobretudo em relação aos
judeus. A diplomacia portuguesa, por cartas, tentou convencer a princesa Isabel
a abandonar aquela cláusula, mas sem sucesso.
Vencida a vontade portuguesa, em 5
de Dezembro de 1496, D. Manuel I assinou o decreto de expulsão dos judeus e
mouros de Portugal, tendo-se dado um prazo que terminava em 31 de Outubro de
1497.
A todos os judeus, porém, sob pena
de morte e confisco dos seus bens foi dada a opção do desterro ou o da sua
conversão, com o necessário baptismo segundo as regras da Igreja Católica.
Não houve, por parte deles uma
grande aceitação, preparando-se muitos para abandonar o Reino no cumprimento da
sua sina de pessoas errantes. O rei ao aperceber-se que os judeus prefeririam
deixar o Reino que converter-se, para impossibilitar a emigração ordenou que se
fechassem todos os portos com excepção do porto de Lisboa, o que originou uma
enorme concentração da nação judaica na capital portuguesa.
Tomaram-se, então medidas de
drástica.
Desse modo, em Abril de 1497 foi dada a ordem de embargo dos
filhos, menores de 14 anos daqueles que obstinados à conversão ao catolicismo,
preferissem sair do reino, devendo as crianças ser distribuídas pelas cidades e
aldeias com o fim de serem baptizadas e criadas por famílias católicas.
Este decreto desumano, logo que
transpirou, criou uma onda de aflição entre mães e pais que estavam na
iminência de perder os seus filhos, o que levou, uns a optaram por converter-se
para não terem suas famílias despedaçadas, mas outros, desesperados, preferiram
matar seus filhos e em seguida suicidarem-se ao invés de os entregar aos
oficiais do rei, para a apostasia.
E assim, crianças foram sufocadas
pelos pais num abraço de adeus, outras foram atiradas em poços. Grande parte
dos judeus foi vítima da violência, tendo seus filhos raptados e levados ao
baptismo para serem em seguida distribuídos entre a população católica.
Em Outubro de 1497, estando a findar
o prazo concedido no Decreto da conversão forçada, em Lisboa encontravam-se mais de 20
homens e mulheres a quem foi dito que os seus filhos já se haviam
convertido e que, se quisessem viver em sua companhia, assim também deviam
fazer.
Como não acederam foi usada com eles a mesma violência que
havia sido usado com seus filhos, ou seja, a conversão forçada.
Era a vez dos adultos e velhos,
levados à força à pia baptismal.
Deram-se, assim, em Lisboa os chamados baptismos em massa e reproduzidos
em várias partes do Reino, fazendo pela força
cristãos a todos os judeus que não puderam abandonar Portugal.
Consumado o plano de expulsar os
judeus, mas mantê-los no Reino pela conversão, D. Manuel – que autorizara que
os conversos tivessem os mesmos direitos que todos os outros vassalos - poderia
então informar a princesa Isabel de Espanha que já não mais havia hereges em
Portugal.
O baptismo forçado, no entanto, trouxe a
heresia para dentro do catolicismo, não só porque os cristãos novos continuaram
a ser vistos como judeus, mas porque passaram a praticar o judaísmo no segredo
de seus lares, mesmo que professando publicamente a fé católica.
Surgiram assim os chamados marranos.
4 – A
tragédia dos judeus até ao Decreto que instituíu a abolição entre cristãos
velhos e cristãos novos.
A riqueza do povo judeu adveniente,
em grande parte da prática da usura e de arrendadores de impostos atraíram
sobre eles o ódio do povo, como aconteceu nos tumultos de Lisboa em 1504 e em
Évora no ano seguinte e novamente em Lisboa em 1506, com a morte de muitos
cristãos novos.
O rei D. Manuel I, em 1515 dá o
primeiro passo para o estabelecimento da Inquisição em Portugal, mas que apenas
será concedida a D. João III, pretendendo este rei uma Inquisição de Estado, que sendo um
tribunal régio, embora contasse com as armas eclesiásticas, os confiscos
impostos aos condenados reverteriam a favor da Coroa e não da Igreja.
A pretensão, vista pela Cúria romana
como um meio do poder real expoliar os judeus, como se fazia em Espanha, não
foi aceite e só em 23 de Maio de 1536, veio a acontecer – sem aquela pretensão
– mas com a finalidade dos inquisidores
procederem contra os cristãos novos conversos e que haviam regressado aos ritos
judaicos.
Em tempos do rei D. Sebastião, os
autos de fé eram usados pelos pregadores para instigarem o povo contra os
cristãos novos o que levava estes a querer abandonar Portugal, um facto que
levou o rei em 1576 a
revogar a proibição de saída do tempo do rei seu antecessor, uma graça
continuada pelo cardeal D. Henrique e pela dominação filipina (1601) que a
viria a proibir no decorrer do ano de 1610.
Nos tempos da restauração, o novo
poder não foi favorável aos cristãos novos, tendo-lhes valido a autoridade do
Padre António Vieira que fez mudar a atitude hostil da Coroa portuguesa, um
facto que muito pesou a desfavor do grande orador por parte dos inquisidores,
tendo provocado as primeiras desavenças entre a Companhia de Jesus e o tribunal
do Santo Ofício.
Tendo os judeus mais influentes
obtido junto da Cúria romana alguma comiseração para o estado da sua miserável
condição social, nos reinados de D.
Afonso VI e D. Pedro II assistiu-se a que os queixumes dos perseguidos ao
encontrarem eco junto dos Bispos que assistiam os Papas, Clemente X (1670-1676)
e Inocêncio XI (1676-1689) levaram a Cúria a ser desfavorável aos métodos dos
inquisidores, que os tratavam cristãos novos como escravos.
Contudo as recomendações vindas de
Roma foram esquecidas pelos inquisidores que actuavam em Portugal, tendo a
perseguição entrado numa fase mais violenta com a chegada de D. João V em 1706 ao ceptro real.
Os cárceres do Santo Ofício estavam
pejados de judeus provindos de todas as partes de Portugal, sendo muitos deles
moradores da Covilhã, Fundão, Idanha e Guarda, pois assim figuravam nos autos
inquisitoriais.
Mas de todas as províncias, as que
mais sofreram com o Santo Ofício foram as Beiras e Trás-os-Montes.
Aconteceu, porém, que em meados do
século XVIII, reinando D. José I, o Iluminismo (4) dava
passos de gigante contra a intolerância religiosa, tendo levado homens como D.
Luís da Cunha (5) a ter opinião formada sobre o mal que era atribuído aos perseguidos por questões
de fé, afirmando que ele – o mal social
- estava mais na distinção ou discriminação social que era feita entre cristãos
velhos e cristãos novos e que retirava a estes cargos sociais a que poderiam
ter acesso.
Outro vulto importante na mesma
causa foi Ribeiro Sanches (6) manifestando-se este homem notável contra aos autos de fé, e tendo os seus
escritos encontrado eco no espírito do Marquês de Pombal que foi gradualmente
preparando o terreno para se acabar com a diferença entre cristãos cristãos
velhos e cristãos novos.
Com esse intuito ordenou que fossem
defendidas as famílias apontadas como tendo sangue judaico, tendo mandado
destruir em 1768 todos os documentos referentes aos seus membros e onde
figurassem os tributos e donativos a que estavam obrigados os descendentes de
todos aqueles que se haviam convertido, tendo de seguida virado a sua atenção
para as famílias fidalgas puritanas, ou seja, para todas aquelas que se
orgulhavam dos seus membros nunca terem tido relações ou matrimónios com
cristãos novos, tendo por decreto imposto a essas mesmas famílias que se
orgulhavam do seu puritanismo e tendo filhos ou filhas em idade de casar, de ajustarem no prazo de
quatro meses os seus casamentos com membros das famílias até então excluídas
das suas alianças, publicando-se finalmente, em Maio de 1773 a lei que extinguiu de
vez a separação entre cristãos velhos e cristãos novos, declarando-se estes
aptos a receber quaisquer postos e honras, como os demais portugueses.
Sobre a fidalguia puritana que se
honrava de nunca ter tido relações sexuais com cristãs-novas, tal facto não é,
no todo, uma verdade, pois na dinastia de Avis, D. Luís, infante de Portugal,
filho de D. Manuel I, casou-se com Violante Gomes, consórcio de que nasceu D.
António, Prior do Crato. (7)
Antes, D. Joao I, rei de Portugal
teve um caso com Inês Pires, tendo deste
relacionamento nascido dois filhos: D. Beatriz (1382-1439) e D. Afonso (1380-1461) que veio a ser o 8º duque
de Barcelos e o 1º duque de Bragança, descendendo, deste modo, de uma cristã
nova toda a dinastia dos Braganças donde imergiu em 1640 o rei D. João IV.
Os tempos haviam mudado e não mais a
população plebeia foi açirrada contra os cristãos novos.
Este decreto-lei do Marquês de
Pombal, o controverso ministro de D. José I, que foi um carrasco no julgamento
sumário dos Távoras, impiedosamente torturados com requintes de malvadez,
acabou, finalmente com uma injustiça cometida contra homens e mulheres hebreus,
que a fazer valer a história que ao registar a sua diáspora para a Península
Ibérica a partir do rei Salomão, faz que os membros deste povo tenham sido
escravizados e malqueridos durante cerca de 2.700 anos neste canto ocidental do
mundo, o que não deixa de ser uma vergonha histórica para Portugal.
Lembrar isto no mês em que se comemora
o aniversário da lei que os libertou é um dever moral e intelectual.
(1) - O termo púnico, do latim punicus, vem da palavra poeni, nome que os
romanos davam aos cartagineses, os descendentes dos fenícios (em latim, phoenician).
(2) - Nome dado à doutrina do padre heresiarca, Ário (256-336) defensor de uma
crença que entendia que Jesus Cristo possuía uma divindade secundária e
subordinada, não sendo Deus em plenitude e negava, por esse motivo, a perfeita igualdade entre as três Pessoas da
Santíssima Trindade.
(3) - Abraham
bar Samuel Abraham Zacut, conhecido em Portugal por Abraão Zacuto, terá nascido
em Salamanca em meados do século XV, onde teria ensinado astrologia e
astronomia — como se sabe, na altura as duas disciplinas confundiam-se. Não há
muitas certezas sobre a sua actividade em Salamanca, existindo referências, não
confirmadas, ao facto de ter estudado e leccionado na Universidade de
Salamanca. Teve que se refugiar em Lisboa na sequência da promulgação do decreto
dos reis católicos, Isabel e Fernando, reis de Castela e Aragão, que obrigava
os judeus à conversão ao cristianismo ou ao exílio. Há notícias de que já
estaria em Portugal em Junho de 1493, ao serviço do rei D.João II.
(4) - Nos finais do século XVII e no século XVIII dão-se na
Europa duas revoluções que representam a afirmação da burguesia como força
política e económica dominante em alguns países europeus. No espaço de tempo
que medeia estes acontecimentos, decorre o chamado «Século das Luzes», a época
do Iluminismo, caracterizada por uma profunda crítica das instituições e
princípios até então reinantes: o regime feudal-absolutista, a intolerância
religiosa, a supremacia da fé e da tradição sobre a razão e o progresso.
(5) - D. Luís da Cunha (1662-1740), foi um hábil diplomata, arcedíago da Sé de Évora e sócio da Academia
Real de História
(6) - Ribeiro Sanches (António Nunes) -
(1699-1783) era natural de Penamacor. Médico distinto fez carreira no
estrangeiro, mas isso não o impediu de ser um notável colaborador e defensor
das idéias do Marquês de Pombal sobre o ensino superior
(7) - D. António, prior do Crato (1531-1595) foi um príncipe bastardo
pretendente ao trono português. O pai, D. Luís era irmão de D. João III. Feito
prisioneiro em Alcácer Quibir, conseguiu ser resgatado e na volta a Portugal
passou a pretender o trono, situação a que se opôs o cardeal D. Henrique,
sucessor de D. Sebastião. Após a morte do cardeal fez-se aclamar rei e enfretou
os espanhóis, mas sem ter o apoio da nobreza e do clero. Derrotado,
abandonou Portugal, tendo morrido em França.
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