Tartufo (1) é a personagem principal da peça do mesmo nome personificando um falso devoto
criado pelo genial dramaturgo francês de fama universal, Moliére (1622-1673) de
seu nome de baptismo, Jean-Baptiste Poquelin.
O religioso hipócrita
criado pelo génio do seu autor tinha como finalidade o uso da sua falsa devoção
para auferir as sinecuras em nome de Deus.
Na
actualidade, o termo – tartufo – para além de continuar a empregar-se para os
falsos devotos, passou a designar os hipócritas emergentes de um tempo
falacioso onde pululam os que sonham com a obtenção de cargos de mando nas
várias hierarquias do poder.
São os finórios
instalados na sociedade, de onde, com golpes de asa costumam emergir, sem se
saber, muitas vezes, de onde vieram e onde querem chegar.
Estes são os
novos tartufos.
São os novos vendilhões do templo, os hipócritas que
usam artimanhas – políticas ou não - e
depois de conquistadas as mercês que receberam em nome da causas apregoadas como
cruzadas de coisas que eram precisas mudar, se esquecem do que prometeram,
deixando tudo na mesma, quando não pioram o que estava feito.
Cuidado com
eles, mas também, cuidado connosco, porque em todos nós vive um tartufo
qualquer que é preciso educar.
É por isto e
cuidando do tempo que passa, que não podemos deixar de apontar a existência de alguma
desordem de sentimentos de amor à civilidade e aos seus nobres pergaminhos –
não de uma nobreza balofa e empacotada – mas daquela nobreza que torna os
homens forças da natureza, que sentimos a necessidade de arrepiarmos caminho
colectivamente, para que o povo, enquanto força espiritual e a sua riqueza
maior, se encontre consigo mesmo e não se deixe enganar pelos tartufos encartados
– com as cartas de alforria que conseguem alcançar - e andam por aí, de vez em
quando a apregoar paraísos, uns melhores que os dos outros, quando afinal, são
as ofertas hipócritas de uns mais espertalhões, em detrimento das de outros
menos arrojados na arte do engano.
A estes acenos
dos devotos laicos de felicidades prometidas, desconfiemos, sabendo-se que as falsas
devoções não existem apenas, na religião, como acontecia de uma maneira
despudorada nos tempos de Moliére.
Existem, como
sempre existiram em todos os campos da actividade humana e da qual os tempos
que passam nos dão figurinos de sobejo.
Estejamos
atentos aos novos tartufos.
Sobretudo, não
nos deixemos acorrentar e submeter a facções de onde sobressaem as políticas, mas,
se na assunção da nossa cidadania esta nos pede que não nos excluíamos de
participar nelas, que isto nos sirva
para as ajudar a mudar por dentro com o fim de alcançarmos uma maior
consciência urbana, porque esta não se faz por decreto, mas antes, tem de ser
uma causa de amadurecimento colectivo.
É um caminho
que todos temos de percorrer e não vale apontar o dedo a ninguém, porque todos
temos dentro de nós os tartufos mais ou menos hipócritas onde a educação moral
e cívica tem muito trabalho a fazer.
Não nos
entreguemos, por isso, subjugadamente, porque ao fazê-lo não ajudamos a
melhorar a sociedade.
Reservemos,
pois, o nosso amor de um coração presente para o nosso clube de bairro ou outro
– fenómeno social que estranhamente nos
amarra, ainda que o nosso clube perca todos os campeonatos - mas que a nossa atitude perante qualquer
facção gregária ao ter para com ela o dever cívico da participação, que esta
nunca perca o sentido crítico de um coração expectante - sempre pronto a mudar
de facção - logo que aqueles que tendo
falado em nome da conjunto dos cidadãos se esquecem depois das palavras que
disseram, sem cuidar que estes continuam à espera de ver erigido em nome da
moralidade pública, éticas comportamentais de acção.
Mas de tal
monta que todos possamos dizer a frase erudita e simples que foi caldeada desde
há muitos séculos na grande Universidade da Vida:
O exemplo tem de vir de cima.
Enquanto isto
não acontecer é sinal que os tartufos encartados continuam a andar por aí a dar
rédea solta às suas hipocrisias, reagindo sempre mal humorados ao contraditório.
E, portanto,
não confiemos avalizando tudo o que ouvimos enquanto a uma acção dos que têm
por hábito acenar com loas e estas se manifestarem – depois - pelo inverso do
bem anunciado e contrárias à moral comum dos bons costumes não vierem a merecer o respectivo castigo, para bem do
exemplo… que tem de vir de cima, como
diz o adágio popular.
Educar os
tartufos é uma atarefa social.
Quem sabe… se
a começar por nós mesmos!
(1) - ´Tartufo é
uma comédia de Molière, constituindo uma das mais famosas da língua
francesa de todos os tempos. Data de 1624 a sua primeira representação. O personagem
é símbolo dessa bem comportada estrutura, usando-a a seu bel-prazer, a seu
único e exclusivo proveito, sendo capaz de mentir, roubar, defraudar,
especular, transgredir normalmente com o único objectivo de granjear mais
privilégios. E tudo em nome de Deus. A peça, mantém-se actual ao denunciar
males eternos como a corrupção, a hipocrisia religiosa – ou não - a ocupação de cargos de mando e relevo por
espertalhões.
Ao
escrever sua obra, o autor ataca um grupo muito influente: os devotos. Entre
estes se contavam homens cuja religiosidade era sincera, mas a maioria era de
manipuladores conscientes do poder que poderiam obter com a sua falsa devoção.
Foi a este segundo tipo que Molière atacou.
Na língua
portuguesa, o termo tartufo, como em outro idiomas, passou a ter a acepção de
pessoa hipócrita ou falso religioso.
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