Trata-se de lembrar um homem inesquecível que se fosse vivo fazia
hoje 106 anos. Levou-o
Deus em 4 de Fevereiro de 1977.
Era um "jovem" de 68 anos e nunca foi esquecido por ter deixado atrás de si a aura que costuma acontecer com todos os que se vão da morte libertando, para frisar Luís de Camões - que tendo-se dirigido com estes termos aos heróis nacionais - o homem, cuja memória se lembra sem o ser com aquele estatuto, merece sê-lo na postura limpa com soube viver a vida.
Tombou cedo no chão da vida porque o coração o traiu.
Um dia, após um tratamento na cidade de Lisboa, abalei com ele de automóvel, conduzindo-o à aldeia serrana onde vivia - e na qual, dizia ele - o ar da montanha, mais leve, lhe oxigenava melhor o seu organismo debilitado, razão suficiente para não o prender na cidade, que não fosse, apenas, o indispensável para a consulta clínica e pouco mais.
O que
se vai ler é a reposição de um escrito publicado em 28 de Agosto de 1978 -
passado um tempo largo depois da sua morte, no jornal A C. de A. - de homenagem
grata ao grande homem, tal como é, hoje, a reprodução ipsis-verbis do que, então ficou escrito, motivado
por uma paragem forçada no atravessamento que era preciso fazer da via férrea
do ramal da Lousã, dentro daquela vila serrana.
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Ambos encontrámos a passagem de nível fechada, e ainda bem.
Desse modo fizemos uma breve pausa na viagem, enquanto aguardámos a abertura da cancela que nos fechara a estrada, porque era preciso ultrapassar a passagem de nível da via férrea.
Aproveitei
a paragem para oferecer ao meu companheiro de jornada uma agenda de bolso para
ele marcar os seus afazeres sociais ou familiares. Aqueles apontamentos, como
eu sabia, seriam para ele sinais evidentes da existência plenamente
vivida, conforme ele gostava.
De repente, um silvo estrídulo feriu os ares e o som metálico das rodas sobre
os carris fizeram que, olhando aquelas carruagens fugitivas que puseram endoidecidos
os meus olhos, pensei quão breve é a nossa vida, parecida, às vezes, como foi a
passagem fugaz daquele comboio, cuja maior virtude foi a de ter proporcionado
esta reflexão, que é hoje, uma dolorida lembrança.
É que aquela agenda oferecida, que tinha um desejo de vida inscrito singelamente nos dias que faltavam para se completar o ano civil, durou apenas oito dias na posse do meu querido companheiro de viagem e os afazeres que programara para além dos curtos dias que teve de vida, ficaram para sempre marcados pelo desejo de terem acontecido.
Foi tudo muito breve.
Aquela vida foi um comboio rápido, sem silvos de vapor ou barulho de metais. Recordando-o, sou hoje, muitas vezes, a passagem de nível fechada, quando no meu recolhimento piedoso vejo passar o comboio da sua vida, cujas "carruagens" transportaram Amor, e eram serenas como a fina aragem de um qualquer entardecer.
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Entardeceu, de facto - e cedo demais para aquele homem bom - o dia da sua existência terrena, num tempo em que ele tinha, ainda, projectos para cumprir, pelo que, se no comboio da sua vida as "carruagens" que ele moveu passaram com a leveza que ele lhe soube imprimir, com a sua morte prematura a última "carruagem" passou sob um vento sibilante, para bater estrondosamente no muro da morte física, mas a sua lembrança imaterial não deixa de passar e, ele, continua a ser o passageiro de estimação que viaja em 1ª classe nesse estranho comboio do destino...
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