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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

"No Presépio"














Naqueles dias, então,
- por decreto imperial -
saiu um censo geral
a toda a Tribo e Nação.

César Augusto era o génio
de Roma - da Scítia à Ilíria -
Era, então, também Cirenio
o presidente da Síria.

Longas estradas de além,
José, mais a noiva amada
caminharam de jornada
para as terras de Betlem.

José, o noivo real,
tivera o seu ero ali.
- Era o seu país natal.
- Eram campos de David.

De régia aparência nobre,
José, apesar de herdeiro,
era um simples carpinteiro,
sereno, tranquilo e pobre.

Sabia vestir os nús,
socorrer a fome crua
e aos olhos da noiva, à lua,
mandar súplicas de luz.

Sabia ao seu bem amado
mandar seus ais, seus martírios,
na hora e que do azul sagrado
parece que caem lírios.

Ora, eram vindos os dias,
segundo os signos dos céus,
e as letras das Profecias
- que nascia um filho de Deus.

Mas este filho real
não foi os céus embalado,
não teve ouro, nem brocado,
nem teve régio enxoval.

As nuvens não o enfaixaram
nos seus mantos de setim.
Nem estrelas lhe cantaram
junto do berço de marfim.

Não lhe mandou Deus enfeite
em uma salva dourada.
- Teve as pérolas do leite,
- e o orvalho da madrugada!

Não lhe cantaram cantigas
os sóis para o adormecer.
- Teve o ouro das espigas,
- e os rubins do amanhecer!

Não se ergueu do seu assento
Deus a beijá-lo na face.
- Teve a luz do sol que nasce!
- Teve as ladainhas do vento!

Não lhe coseram neblinas
os seus nevados lençois.
Nem bordaram roupas finas,
com áureas firmas, os sóis.

Não lhe ofertaram toalhas
princesa, ou rainha loura.
- Por enxoval teve as palhas.
- Por berço uma manjedoura.

Só de manhã o saudaram
as andorinhas do ninho.
Só as violetas o olharam,
mais a flor do rosmaninho.

Não lhe fez festas o Eterno,
ao colo de uma Rainha.
Só teve o bafo materno
da vaca e da jumentinha.

E o Rei da Morte e da Dor,
sem ter archeiros reais,
só leu cortejos de amor
- nos olhos dos animais!

Gomes Leal
in, "História de Jesus"

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Gomes Leal, é bem conhecido por ter sido um poeta panfletário, tendo ao longo da sua vida literária abordado temáticas distintas que iam beber às suas mudanças de temperamento, ora irónico, ora irado, fruto do seu nascimento que lhe deixou marcas azedas que nunca soube ultrapassar, que não fosse - quase como um vingança feita a Deus - por aquele facto lhe ter dado uma vida emocionalmente desregrada.

Tido, até, como anti-católico, quando publicou a História de Jesus, esta foi recebida com surpresa geral e a obra melindrou os círculos culturais republicanos, jacobinos e maçónicos, levando muitos dos seus correligionários a falar em surdina, sem suspeitarem que aquela alma ardente - poeta do anti-Cristo - estava em clima de conversão ao catolicismo, algo que não é raro acontecer em homens ilustres no momento em que a vida foge e a eternidade se aproxima. 

Por isso, esta leitura dos versos simples que ele dedicou ao Presépio e o modo como ele fala de Jesus e de seus pais, mas sobretudo do Rei da Morte e da Dor, é um momento que já reflectia o seu encontro com Deus, onde a obra dirigida "À Senhora da Melancolia" - Avatares de um Ateu - publicada em 1910, assinala a sua conversão, pois como ele diz no Prefácio não é impossível a um descrente encontrar a sua "estrada de Damasco" e a cegueira dos seus olhos - como aconteceu com S. Paulo - passar a ver, e é assim, que desde a dedicatória a Nossa Senhora, trata-a, amorosamente, por "A Senhora Silenciosa" ; "A Senhora da Melancolia" ou "A Senhora das Lágrimas".

Infelizmente, no nosso meio acanhado, profundamente encurralado pela maçonaria, as conversões de vultos como foi Gomes Leal, são escondidas, como se os homens não fossem livres de num dia qualquer se redimirem do seu passado contra a religiosidade que está intrínseca no Presépio de Belém.

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