Inverno na Serra da Estrela
Gravura da Revista "Occidente" de 1 de Abril de 1878
Deus ao fazer o Inverno da Natureza quis que o homem ao ter mais tempo para entrar dentro de si, fizesse o mesmo para com Ele, vendo-O impresso, nas árvores despidas e no gelo dos montes, e dando-lhe tempo para pensar - especialmente, os que vivem a estação da velhice - neste belo conceito muito antigo, mas sempre novo, como se viesse até hoje coma mesma força que o inspirou:
Para o ignorante, a velhice é o inverno;
para o instruído é
a estação da colheita.
Este pensamento ou sentença, deve-se a um movimento surgido no judaísmo no tempo do rei Antíoco IV, II séculos a.C. - quando o hassidismo - subalternizando a Torá, passou a dar importância a um tipo de oração inspirada no ensino directo de histórias simples e pequenas, mas profundas de que é um exemplo a pequena frase cheia de sentido humano que serve de guia a este apontamento e que, ao ter como motivo lúdico a paisagem nevada da Serra da Estrela, a velha frase do "hassid" se casa com ela.
- Porque será que a velhice, a data do inverno do homem, para os ignorantes - se torna a estação da colheita, para o homem instruído?
A resposta, podemos encontrá-la no poema CAIS de Fernando Namora, onde, como ele diz, tudo é ténue, a começar pelo cais onde aportou o Inverno frio, mas se é nele que nos diluímos, por nos obrigar a pensar mais em nós nesta estação da aparente paragem da Natureza, ela - faz-nos exactos por dentro - e, assim, vamos beber a sabedoria do hassidismo, pois é nesse estádio da vida que o homem faz, se estiver atento - a estação da colheita - na preparação da alma para o encontro com Deus.
Cais
Ténue é o cais
no Inverno frio.
Ténue é o voo
do pássaro cinzento.
Ténue é o sono
que adormece o navio.
No vago cais
do balouço da bruma
ténue é a estrela
que um peixe morde.
Ténue é o porto
nos olhos do casario.
Mas o que em fora nos dilui
faz-nos exactos por dentro.
Fernando Namora, in 'Marketing'
Ténue é o cais / no Inverno frio... diz Fernando Namora mas é dessa paisagem fria, casada com a sua velhice, que o homem, pela força dos anos ao abrigar-se mais no inverno dos seus dias, encontra no Inverno estacional do calendário, como a gravura sugere, mais um motivo para diluir o seu pensamento na paisagem fria do casario e dos montes para aplanar o seu encontro consigo e com Deus, que o chama para o encontro final, onde o ser exacto por dentro, é condição essencial para chegar, ténue, embora, ao CAIS da vida, de onde todos, um dia havemos de partir!
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