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sábado, 16 de maio de 2015

O "Nunca" deixa sempre a "Esperança" de atalaia...




Nunca é uma palavra enganadora e não tão radical como parece ser  e, como tal, muitas vezes - senão sempre - cede a força como ela é dita à fraqueza humana, pela simples razão de ser o retrato fiel do homem que age com o exercício suas bravatas, mas tendo. a par delas, bem escondidas as fragilidades humanas que fazem que o "nunca" - quantas vezes isto tem acontecido! - enrole a sua frágil bandeira por aquele que teve de esquecer o "nunca" que disse numa hora qualquer, porque, por debaixo desta palavra que parece extrema, fica latente uma outra, porque sua irmã é a Esperança, e a esperança nunca morre, como diz Alexandre Herculano. (in, Eurico, cap. 4, pág. 32)



A propósito disto vem-me a lembrança dois "nuncas" que ficaram famosos, ditos por um homem que seguiu Jesus e foi, segundo o relato bíblico, alguém determinado ao ponto de ter largado o barco no areal do mar da Galileia - e sem  tergiversar - ter seguido Aquele que o chamou.

Vejamos: ambas ocorreram no decorrer da Ceia Pascal, quando em resposta a Jesus que afirmara que por causa d'Ele todos iam ficar perturbados, Pedro disse:
  • Ainda que todos fiquem perturbados por tua causa eu nunca me perturbarei. (Mt 26, 33)
E sabemos o que aconteceu. Não tardaria a negar Jesus, quando no pátio do tribunal judaico se viu confrontado com uma simples criada. Foi a primeira negação e veio a segunda e a terceira... e o "nunca" de Pedro perdeu-se em lamurias: não conheço esse homem.

Um outro momento ocorreu no "lava-pés" quando Jesus se aprestou para fazer aquele serviço, Pedro disse-lhe:
  • Não! Tu nunca me hás-de lavar os pés! (Jo 13, 8)
Para no fim, anuir ao pressentir que seria excluído, tendo dito a Jesus: Ó Senhor! Não só os pés, mas também as mãos e a cabeça!



Nunca - nunca dever ser dito - porque assinala o fim de um caminho, por onde se regressa de volta, tantas vezes!

Se no exemplo bíblico acima relatado, Pedro entendeu que o seu "nunca" não era o fim do caminho mas um modo de o continuar - e que bem que ele o continuou - no campo secular por onde passam os homens - como eu - veio-me à lembrança um poema do heterónimo de Fernando Pessoa, Ricardo Reis, que diz assim:


 Sei Bem que Nunca 
 Serei Ninguém

 Sim, sei bem
 Que nunca serei alguém.
 Sei de sobra
 Que nunca terei uma obra.
 Sei, enfim,
 Que nunca saberei de mim.

 Sim, mas agora,
 Enquanto dura esta hora,
 Este luar, estes ramos,
 Esta paz em que estamos,
 Deixem-me crer
 O que nunca poderei ser.

in "Odes"


Serve isto para dizer, na interpretação do poema, que metade é sustentado por um "nunca" - como se fosse o fim do caminho - e a outra metade para emendar o que foi dito, por não haver uma certeza do "nunca", tendo bastado para o por em causa, este luar, estes ramos/ esta paz em que estamos, para depois, o poeta pedir: deixem-me crer - ainda que sinta difícil de alcançar o que nunca poderei ser, o que prova a razão de Herculano quando apelidou a "Esperança" como a irmã do "Nunca" que damos, com medo - como aconteceu com Pedro - ou por falta da serenidade que num dado momento nos faltou.

Mas "nunca" - não!

E, de novo, Ricardo Reis se nos apresenta com os seus dois versos finais: Deixem-me crer/o que nunca poderei ser, na certeza que nos deve animar que a vida também passa por aqui... nesta "esperança" que nos faz viver e continuar, sem nunca se dizer "nunca", como se ele fosse uma atitude para sempre.

Não aconteceu isso com o Pedro bíblico a quem Jesus confiou a continuidade da Igreja fundada naquela Última Ceia - onde os tais "nuncas" cederam, bem como no poema, onde os "nuncas" cedem à "esperança" de que nos falou Alexandre Herculano.

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