Pesquisar neste blogue

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Deus "vencido" por Jacob!

Capa do Livro

Conta um episódio bíblico do AT (Gn 32, 25-31) uma estranha luta travada entre o patriarca Jacob e Deus. Diz assim o texto "ipsis-verbis": 

Jacob tendo ficado só, alguém lutou com ele até ao romper da aurora. Vendo que não podia vencer Jacob, bateu-lhe na coxa, e a coxa de Jacob deslocou-se, quando lutava com ele. E disse-lhe: «Deixa-me partir, porque já rompe a aurora.» Jacob respondeu: «Não te deixarei partir enquanto não me abençoares.» Perguntou-lhe então: «Qual é o teu nome?» Ao que ele respondeu: «Jacob.» E o outro continuou: «O teu nome não será mais Jacob, mas Israel; porque combateste contra Deus e contra os homens e conseguiste resistir.» Jacob interrogou-o, dizendo: «Peço-te que me digas o teu nome.» «Porque me perguntas o meu nome?» – respondeu ele. E então abençoou-o. Jacob chamou àquele lugar Fanuel; «porque vi um ser divino, face a face, e conservei a vida» – disse ele.

De acordo com os exegetas bíblicos, Fanuel quer dizer "face de Deus" - alegoria aplicada a Jacob que lutou face a face com Deus - porque aquele "alguém" em forma de anjo foi o próprio Deus que quis experimentar a fé do patriarca, e vendo que o não podia vencer  - ao romper da aurora - pediu-lhe: deixa-me partir...

Jacob, movido por uma força estranha ripostou que tal só lhe seria consentido se aquele ser estranho com quem lutou o abençoasse. E o anjo (Deus) depois de lhe perguntar o nome, disse-lhe, que doravante, chamar-se-ia Israel e abençoou-o, provando-se, assim, que Deus se deixou vencer pelo pedido de bênção feito por Jacob, renomeando com o nome de Israel aquele que era neto de Abraão, e pai de doze filhos, que se haviam de tornar os antepassados mais próximos das futuras doze tribos de Israel.

É evidente que não temos nesta cena  um Deus vencido porque tal é impossível. 

Temos, como sempre acontecerá, um Deus vencedor que se deixa "perder" para conquistar o homem, seja ele qual seja, como aconteceu com Jacob que foi, depois, um habitante de Mambré, localidade onde abriu o poço que tem o seu nome original e onde Jesus viria a travar o célebre diálogo com a samaritana.

Esta luta estranha é um mito ou uma lenda que a História Bíblica fixou para nos dar o encontro de um ente real com o Deus invisível que tem o condão único e insubstituível de ter, sobre todos, o poder de lhes mostrar o Caminho.



Depois de situado o episódio bíblico, detenhamo-nos sobre o LIvro de Pierre Blanchard "Jacob e o Anjo", para concluirmos que à semelhança de Jacob, o homem para encontrar o seu caminho com Deus, trava lutas com Ele - porque ela é eterna desde o Princípio dos tempos - enquanto apelo que Deus faz ao homem e a que este se sente obrigado a responder, no tempo que vivemos e em qualquer tempo vindouro.

Por isso, logo a abrir, o autor coloca-nos perante um dilema, que é o da procura de Deus mas nem sempre da forma mais rápida ou mais eficiente, porque - quantas vezes isto acontece - se deixa para depois de uma viagem especial do foro espiritual que um dia se fará, o que devia ser resolvido sem haver necessidade dessa tal viagem, o que levou Mauriac a dizer, referindo-se aos homens: O motivo da viagem é não se poderem suportar a si mesmos; fogem do seu próprio coração, algo que na análise que é feita por Pierre Blanchard, o levou a concluir: O homem não transpõe o espaço exterior senão para evitar progredir no espaço interior, ou seja, o homem ao agir, conscientemente, fora de si mesmo, fá-lo para evitar encontra-se por dentro - onde Deus habita - para se encontrar a si mesmo.

E, no entanto, o desafio foi lançado por Deus como apelo para que o homem lhe responda e foi feito e assim continuará a ser - face a face - para que continuem a aparecer nos tempos que passam e em qualquer lado as "lutas" do anjo (Deus) com os novos "Jacob's" dispostos a jogar o jogo eterno que lhes é proposto.

Estaremos dispostos a "vencer" Deus?

Retenhamos que se Jacob deu o seu novo nome ao povo de Deus é nesse mistério que devem ser travados todos os "combates" com Deus, para que e por fim, todos sejamos o "seu Povo", porquanto a luta que se trava não é contra um inimigo, mas com Alguém que se deixa perder, desde que conquiste o nosso amor.

No Cap. "O mito Jacob e o Anjo" lemos: O combate que Jacob sustenta é o nosso combate. O combate do povo de Deus - combate que é símbolo do nosso. Este combate a que Jacob se vê forçado tem por fim a adaptação a Deus, a imitação de Deus. É pois um combate que tem o amor por causa, ritmo e objectivo. Explica São Pedro Crisólogo que o anjo, por aquele abraço forçado e violento, quis fazer-se amar por Jacob. Santo Agostinho está persuadido de que Jacob, conquistado para esse amor no decorrer da luta, não podia já afastar-se  daquele ser que o seduziu.

Por fim, remata o autor que o combate de Jacob é o combate do contemplativo e, depois, no prosseguimento da sua asserção mística, faz ao leitor esta pergunta inquietante: Não é verdade que o acto de contemplação  implica uma luta do homem com Deus para o alcançar e o reter?

Responderei por mim, que travei com Deus o meu combate, com a diferença dele ter durado muitas noites, até que por fim, Ele deu-se por "vencido" ... vencendo-me e retendo-me!

Sem comentários:

Enviar um comentário