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quarta-feira, 20 de maio de 2015

O Livro da Vida - Um poema de António Feijó


in, Wikipédia


Quem é este "Sábio antigo" de que nos fala António Feijó, logo a abrir este seu "Poema da Vida"?

- É o Tempo.

É ele que tem sob o seu braço imenso, "O Livro da Vida" e sobre o qual Platão para o designar lhe chamou a imagem móvel da eternidade imóvel, fazendo dele a eternidade que é oferecida a toda a criatura no acto de nascer e que, na mobilidade que lhe dá - de perder ou ganhar - lhe oferece de graça a eternidade se ele a souber merecer, tendo achado maneira de dominar o Tempo, cortando-lhe as travessuras - de que ele se ufana - sempre que não deixa espaço ao homem de ter sobre ele a firmeza que é aconselhável.

Talvez, por isso, Luís  de Camões num dos seus muitos e variados lampejos de génio, quando falou do Tempo, teceu-lhe estes versos de tal modo rendilhados na teia que só ele teve e que são, uma verdade a atender em qualquer tempo.
Porque, enfim, tudo passa;
Não sabe o Tempo ter firmeza em nada;
E a nossa vida escassa 
Foge tão apressada.
Que quando se começa é acabada.

O poema "O Livro da Vida" merece a pena lê-lo com cuidado e mirá-lo à luz da verdade expressa nesta quintilha de Camões.

Na última estrofe, diz António Feijó,  que todo aquele que não erga o seu magro vulto sobre o Livro - do Tempo, digo eu -  e nele, descuidadamente vá desfolhando as suas folhas, virá o dia em que, tendo visto tudo de relance em imagens perdidas, quando se deu conta da luz que num instante brilhou, fechou-se o Livro, quando era bom relê-lo.

A vida, efectivamente, foge tão depressa / Que quando se começa é acabada.
Como tens razão, meu caro e infeliz Luís de Camões!




      O Livro da Vida

Absorto, o Sábio antigo, estranho a tudo, lia...
— Lia o «Livro da Vida» — herança inesperada,
 Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria
 Ao primeiro clarão da primeira alvorada.

 Perto dele caminha, em ruidoso tumulto,
 Todo o humano tropel num clamor ululando,
 Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto,
 Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando.

 Passa o Estio, a cantar; acumulam-se Invernos;
 E ele sempre, — inclinada a dorida cabeça,—
 A ler e a meditar postulados eternos,
 Sem um fanal que o seu espírito esclareça!

 Cada página abrange um estádio da Vida,
 Cujo eterno segredo e alcance transcendente
 Ele tenta arrancar da folha percorrida,
 Como de mina obscura a pedra refulgente.

 Mas o tempo caminha; os anos vão correndo;
 Passam as gerações; tudo é pó, tudo é vão...
 E ele sem descansar, sempre o seu Livro lendo!
 E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão.

 Nesse eterno cismar, nada vê, nada escuta:
 Nem o tempo a dobrar os seus anos mais belos,
 Nem o humano sofrer, que outras almas enluta,
 Nem a neve do Inverno a pratear-lhe os cabelos!

 Só depois de voltada a folha derradeira,
 Já próximo do fim, sobre o livro, alquebrado,
 É que o Sábio entreviu, como numa clareira,
 A luz que iluminou todo o caminho andado..

 Juventude, manhãs de Abril, bocas floridas,
 Amor, vozes do Lar, estos do Sentimento,
— Tudo viu num relance em imagens perdidas,
 Muito longe, e a carpir, como em nocturno vento.

 Mas então, lamentando o seu estéril zelo,
 Quando viu, a essa luz que um instante brilhou,
 Como o Livro era bom, como era bom relê-lo,
 Sobre ele, para sempre os seus olhos cerrou...

António Feijó, in 'Sol de Inverno' 


Por fim, e a concluir, esta citação de Camilo Castelo Branco: O tempo chega sempre; mas há casos em que não chega a tempo, o que parece, depois de ler este profundo poema analítico de António Feijó, quando, finalmente, depois de tantos descuidos apareceu uma luz no caminho do homem, esta foi tão pouco intensa que não conseguiu sobrepor-se à escuridão da noite que para sempre os seus olhos cerrou.


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