Eu me lembro! Eu me lembro! -
Era pequeno
E brincava na praia; o mar
bramia
E erguendo o dorso altivo,
sacudia
A branca escuma para o céu
sereno.
E eu disse à minha mãe nesse
momento:
Que dura orquestra! Que furor
insano!
Que pode haver maior que o
oceano,
Ou que seja mais forte do que o
vento?!
Minha mãe a sorrir olhou p'rós
céus
E respondeu: - Um Ser que nós
não vemos
É maior do que o mar que nós
tememos,
Mais forte que o tufão! Meu
filho, é Deus!
in, "As Primaveras" 1858
Casimiro de Abreu (1839-1860), poeta brasileiro da escola romântica, tinha ascendência portuguesa pela linha paterna. Em 1853 chegou a Portugal, onde esteve quatro anos. De regresso ao Brasil, a morte ceifou-o na mocidade, sem que lhe tivesse retirado o tempo de deixar uma obra poética de estilo popular dentro do Romantismo, mas cuja aura só teve algum sucesso após a sua morte prematura.
Este poema - Deus - é um exemplo da sua veia artística e é, sobretudo, um testemunho da saudade de que encheu os seus poucos anos de vida, fazendo-nos recordar uma cena passada com sua mãe - e de tal modo que ela pertence a todos nós - pois, das nossas mães e dos seus ensinamentos, como aquele de que o Poeta nos fala, todos guardamos memórias imorredoiras, sobretudo, quando às nossas perguntas ingénuas - as mães - continuam a responder com modos sábios.
Impressiona, portanto, que Casimiro de Abreu tenha escrito este belíssimo poema dois anos antes de ter falecido e ao lembrar uma cena da sua infância, perpetuou as perguntas infantis de todos os meninos do Mundo e as respostas eloquentes de todas as mães em qualquer parte deste mesmo Mundo.
Penso, aliás, que o Poeta, sabendo que tinha a vida a prazo pela tuberculose galopante de que sofria não quis morrer sem deixar esta lembrança vivida na praia junto de sua mãe, porque se o estro lhe pediu um louvor que ele devia à santa mulher que o trouxe ao mundo, nele ficou para sempre implícito o louvor que ele devia a Deus, que na sua infinita grandeza ficou presente na resposta de sua mãe.
Como seria salutar nos nossos dias, se este Mundo desencontrado em tantos lados continuasse a ter pelas mães a lembrança do Poeta e, como ele, continuasse a ter por Deus que é maior que o mar que nós tememos / mais forte que o tufão... toda a lembrança de amor que Ele nos deve merecer.
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