Pesquisar neste blogue

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Velho Motivo (Um soneto de António Sardinha)




      VELHO MOTIVO

 Soneto de Jacob, pastor antigo,
– soneto de Raquel, serrana bela...
 Oh! quantas vezes o relembro e digo,
 pensando em ti, como se foras Ela!

 O que eu servira para viver contigo,
– tão doce, tão airosa e tão singela!
 Assim, distante do teu rosto amigo,
 em torturar-me a ausência se desvela!

 E vou sofrendo a minha pena amarga,
– pena que não me deixa nem me larga,
 bem mais cruel que a de Jacob pastor!

 Raquel não era dele, e sempre a via,
 enquanto que eu não vejo, noite e dia,
 aquela que me tem por seu senhor!

António Sardinha
in, Chuva da Tarde




António Sardinha (1887-1925) militante republicano enquanto estudante de Coimbra, após a implantação da República, depressa se desiludiu com o novo regime, o que o levou a converter-se ao Catolicismo e à Monarquia vencida, tendo com outros vultos do seu novo ideário fundado um movimento político-cultural que a História regista pelo nome de "Integralismo Lusitano" que tendia à defesa de uma Monarquia tradicional, causa que bem cedo o levou a uma figura de destaque no grupo dos integralistas e, por fim, ao exílio em 1919 em Espanha com o fracasso restauracionista ocorrido em Monsanto, em Lisboa e da "Monarquia do Norte"


Poeta sobre todas as outras tendências culturais ou políticas mereceu a atenção que lhe dedicou Eugénio de Castro que bem cedo viu nele um artista da palavra onde o versejar fluía límpido, e onde existia bem patente a influência lírica de Camões e neste caso o "Velho Motivo" lembra o famoso soneto "Sete anos de pastor Jacob servia".

A analogia que existe nos dois sonetos, bem longe de desmerecer o de António Sardinha, dá-lhe nos contornos poéticos como ele tratou o tema a arte de quem tendo presente o de Camões, tal facto não o ter inibido de tecer para Jacob - ele mesmo -  uma tortura maior que a sofrida pelo pastor Jacob camoniano, porquanto, embora a não tivesse alcançado, todos os dias alimentou o seu sonho, vendo Raquel, enquanto no "Velho Motivo"  o Poeta lamenta-se de não ver noite e dia aquela de quem ele era o seu senhor, deixando bem patente o lirismo como ele tratou este belo tema que em Camões se tornou famoso  e em António Sardinha se tornou um exemplo da arte poética que a sua morte precoce ceifou.

Sem comentários:

Enviar um comentário