Ó Virgens que passais, ao
sol-poente
Ó Virgens que passais, ao
sol-poente.
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me transporte ao meu perdido
Lar.
Cantai-me, nessa voz omnipotente,
O Sol que tomba, aureolando o Mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a Graça, a formosura, o
luar!
Cantai! cantai as límpidas
cantigas!
Das ruínas do meu Lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas.
Que eu vi morrer num sonho, como
um ai...
O suaves e frescas raparigas,
Adormecei-me nessa voz... Cantai!
Este saudoso soneto de António Nobre (1867-1900) foi escrito nos seus tempos de Paris, e é uma lembrança da sua vivência nortenha onde era um costume - que infelizmente se perdeu - as moças no regresso das lides hortícolas virem a cantar, naquele descuido da mocidade quando o tempo parece não ter fim.
Este costume estendeu-se até às Beiras, onde eu próprio ainda fui testemunha desses cantos "acapella" que enchiam os ares e dos quais tenho muitas saudades, só que Deus não me deu a arte de os poder realçar do modo sentido como o fez o poeta da Foz do Douro.
Há quem acuse António Nobre de ter sido um nostálgico e o "Só" - a sua colectânea de poemas - um livro deprimente pela angústia que o enforma, mas o que tem de ser atendido é que António Nobre fez dele o seu retrato e se terá exagerado a sua dor, resta-nos compreender a sua vida e a doença que o vitimou no dealbar da vida adulta.
O soneto "Ó Virgens que passais ao sol-poente" ficou como sendo um dos mais belos da Literatura da arte poética, não só pela lembrança de um acto da vida que encantou António Nobre. como pela forma como ele o burilou com a beleza das palavras e do seu sentido, que só o conhece, quem algum dia já sentiu a perda de algo ou de alguma coisa que não se podia esconder na arca do peito sem a deixar para a posteridade como um acto criativo.
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