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sábado, 7 de fevereiro de 2015

É preciso permanecer! Um poema de Miguel Torga



Portugal

Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o rosto que te dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.

E eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço:

Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado.

Miguel Torga, in 'Diário X'


Se o homem português se desse ao cuidado de estudar a História dos seus maiores e na memória deles realçasse o seu próprio sentido de brio nacional era ele o mais beneficiado, para num arroubo de patriotismo apontar a quem o não desfigura aqueles que o têm desfigurado, esquecidos que Portugal sendo como Miguel Torga o vê na sua liberdade poética algo que se renova por si mesmo - criatura da tua criatura -  essa qualidade retemperadora faz que o Poeta num arroubo patriótico deseje parecer-se com ele, perfilado na sua liberdade, que ele imagina espelhada no mar português, onde ondulo e permaneço - como ele diz numa afirmação peremptória -  para nos deixar a mensagem de ser necessário permanecer por cima das vagas que o mundo tem, ainda que na aventura de uma qualquer ilusão se façam ouvidos surdos para certas coisas, que apontam razões do tempo  e da fortuna.

Para o Poeta o sonho tem de continuar - por vezes, até, sem se encontrar o que se procura - e, ainda, que exilado dentro de alguns sonhos desfeitos, mesmo assim, porque é urgente permanecer, só resta subir e assentarmo-nos na gávea do futuro, onde ele imagina Portugal mais alto que no seu próprio passado.

O poema "Portugal" deixa-nos assim, a interpretação de, para além de tornarmos mais real o nosso rosto - depois de o termos olhado o rosto de Portugal, que é o reflexo da sua História - ser preciso permanecer, ainda que envoltos na bruma em que o destino, por vezes, nos deixa encobrir.
Ondulo e permaneço, diz Miguel Torga. 
Com Portugal não é de agora o ondular que que ele sentiu, como hoje, nós o sentimos - ou seja a desfiguração da sua identidade - mas é urgente mostrar aos olhos de quem nunca tal fez, os olhos daqueles que o têm feito.

É desse modo que tem de ser o sentido do nosso permanecer.
Miguel Torga fez a sua parte.


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