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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Uma fábula de Curvo Semedo (1766-1838)

in. Wikipedia


A Lebre e a Tartaruga


«Apostemos, disse à lebre
A tartaruga matreira,
Que eu chego primeiro ao alvo
Do que tu, que és tão ligeira!»

Dado o sinal da partida,
Estando as duas a par,
A tartaruga começa
Lentamente a caminhar.

A lebre tendo vergonha
De correr diante dela,
Tratando uma tal vitória
De peta ou de bagatela,

Deita-se, e dorme o seu pouco;
Ergue-se, e põe-se a observar
De que parte corre o vento,
E depois entra a pastar;

Eis deita uma vista de olhos
Sobre a caminhante sorna,
Inda a vê longe da meta,
E a pastar de novo torna.

Olha; e depois que a vê perto,
Começa a sua carreira;
Mas então apressa os passos
A tartaruga matreira.

À meta chega primeiro,
Apanha o prémio apressada,
Pregando à lebre vencida
Uma grande surriada.

Não basta só haver posses
Para obter o que intentamos;
É preciso pôr-lhe os meios,
Quando não, atrás ficamos.

O contendor não desprezes
Por fraco, se te investir;
Porque um anão acordado
Mata um gigante a dormir.

                                                  in, Composições Poéticas


Coube a Curvo Semedo a tradução para a língua portuguesa de "As Fábulas" de La Fontaine, o que, certamente, lhe deu a inspiração para ele mesmo ter sido um fabulista, de que é exemplo esta composição de cunho acentuadamente romântico, um movimento assente no tripé (artístico, político e filosófico) surgido no findar do século XVIII, que tendeu a centrar-se no indivíduo, onde não faltou a arte do sonho ou da fantasia, valorizando a fé, o sonho, o sentimento pela natureza e na força das lendas nacionais.

É crível, por isso, que esta história contada em verso por Curvo Semedo tenha tido origem em qualquer lenda popular do seu tempo e que ele transportou para o seu versejar solto e cheio de sentido de que a última quadra é exemplar, porquanto - até na linha moral dos costumes da época - foi um virar de página dos fracos se poderem opor aos fortes, como se o célebre combate bíblico entre - David, o israelita e Golias, o filisteu arrogante - ter pendido para David o mais fraco, também assim ter acontecido na fábula "A Lebre e a Tartaruga", pelo facto da lebre ter menosprezado a audácia e a esperteza da sua oponente.

Este é o erro - comum em demasia - e que Curvo Semedo exalta nesta velha fábula que podendo parecer uma história menor é, contudo, pela sabedoria que encerra, algo de uma arte maior que através do verso descreve uma verdade... porque um anão acordado/mata um gigante a dormir...

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