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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A caridade. Um poema de Joaquim Namorado




Caridade


As senhoras da sociedade
deram um baile a rigor
para vestir a pobreza
e a pobreza horas a fio
cortou, coseu, enfeitou
os vestidos deslumbrantes
que a caridade exibiu.

Depois das contas bem feitas
bem tiradas as despesas
arranjou um namorado
a mais nova das Fonsecas;
esteve bem a viscondessa,
veio o nome e o retrato
da comissão nos jornais,
e o Doutor, o Menezes,
o senhor desembargador,
estiveram muito engraçados,
dançaram o tiro-liro
já meio-tombados...

Parece que ainda sobrou
algum dinheiro para chita
para vestir a pobreza
numa festa comovente
com discursos de homenagem
e uma missa...
a que assistiu toda a gente.


Joaquim Namorado (1914-1986) foi Professor de Matemática e, como tal, licenciado da ciência pura que lhe deu a Universidade usou-a com o mesmo sentido, quanto à pureza com que burilou os seus versos, como este a que chamou, simplesmente: CARIDADE.

E com ele mandou uma tremenda pedrada no charco.
O poema é, efectivamente, uma chamada de atenção à não-caridade!

Se a ideologia política que em Joaquim Namorado acendeu labaredas em toda a sua vida esteve presente na inspiração deste poema para se opor aos falsos caridosos, pode-se pressentir que ela terá tido a sua contribuição e, ainda bem que teve, porque, quando quisermos satirizar os arremedos de uma certa caridade que se faz ao invés do que é proposto -  sem necessitar de o ser pelo Evangelho, mas pelo exercício trivial da moral humana - tem neste poema um exemplo perfeito


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