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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Quarta-feiras de Cinzas




Na Igreja de Santo António dos Portugueses em Roma - onde há dias o Cardeal-Patriarca, D. Manuel Clemente celebrou a sua primeira Missa já criado naquela função eclesial - no dia 15 de Fevereiro de 1673, dia da trasladação de Santo António para aquele Templo, o Padre António Vieira pregou o "Sermão de Cinzas", onde a morte, a efemeridade da vida e as vaidades humanas são postas em relevo, numa análise de profundo significado eclesial e humano.

As cinzas que são utilizadas na cerimónia da sua imposição, manda uma antiga tradição devem provir dos ramos de arbustos ou árvores que hajam sido utilizados no Domingo de Ramos do ano anterior, tendo a pregação como base a certeza inelutável da nossa condição humana presente («Sois pó») e futura («e em pó vos haveis de converter»).

Este sermão - que é muito longo - bem merece uma leitura atenta, tendo-se em conta que o Padre António Vieira foi um arquétipo da perfeição humana e um protótipo de um Santo a quem a Igreja Católica deve o facto de nunca o ter elevado à honra dos altares, quando ele foi, para além do grande pregador da Palavra, um modelo humano, que após a morte do rei D. João IV - o seu grande protector - se viu condenado ao silêncio pelo Tribunal do Santo Ofício por via das suas profecias sebastianistas e da ética social que ele defendia e da qual é exemplo a defesa dos índios do Brasil - onde ele passou um grande parte da vida - e os colonos, com a eliminação do tratamento cruel a que estes os sujeitavam.

Sermão de Cinzas

O sermão tem sete capítulos.

No I capítulo é feito o anúncio do tema sobre a condição presente e futura do homem como pó, tendo por base a citação bíblica do Génesis 3,19 "Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de onde foste tirado; porque tu és pó e ao pó voltarás".

No II capítulo o pregador chama a atenção que o homem embora estando vivo - é pó - acentuando a sentença de Deus proferida ao primeiro homem criado à sua imagem e semelhança, mas exposto à queda num tempo finito.

No III capítulo o sermão apresenta a condição precária do homem praticada em duas figuras bíblicas, verdadeiros representantes do desengano temporal humano: Abraão e Job, ambos conscientes de serem pó, conscientes das palavras de Deus ditas às duas primeiras criaturas Adão e Eva, donde se tira a ilação que qualquer existência humana vive um tempo balizado entre a origem e o fim.

No IV capítulo o sermão aborda a condição de tanto os mortos como os vivos serem, efectivamente, pó.
Os vivos são pó levantado
Os mortos são pó caído.

Os capítulos V e VI consistem na confirmação particular do pó que é o homem e da necessária lembrança dessa realidade.

No capítulo VII é feita, por fim, a comparação de duas portas bifrontes: uma de vidro, por onde se entra na vida e outra porta de diamante, por onde se entra na eternidade, o que leva o Padre António Vieira a não sobrevalorizar o problema que espera o homem com a morte, transferindo essa angústia para a eternidade que Deus põe à sua disposição, desde que este cumpra a Lei eterna de Deus e não se deixe cair na tentação contrária.

Pode parecer duro este sermão, do qual se dá, apenas, uma brevíssima súmula mas suficiente para nos chamar à realidade do pó que somos, razão que levou a Igreja Católica em obediência ao calendário gregoriano que a "Quarta-feira de Cinzas" seja o primeiro dia da Quaresma, como um símbolo da conversão e da mudança de vida, para recordar a passageira fragilidade da vida humana, sujeita à morte.


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