Na Igreja de Santo António dos Portugueses em Roma - onde há dias o Cardeal-Patriarca, D. Manuel Clemente celebrou a sua primeira Missa já criado naquela função eclesial - no dia 15
de Fevereiro de 1673, dia da trasladação de Santo António para aquele Templo, o Padre António
Vieira pregou o "Sermão de Cinzas", onde a morte, a efemeridade da
vida e as vaidades humanas são postas em relevo, numa análise de profundo
significado eclesial e humano.
As cinzas que são utilizadas na cerimónia da sua imposição,
manda uma antiga tradição devem provir dos ramos de arbustos ou árvores que
hajam sido utilizados no Domingo de Ramos do ano anterior, tendo a pregação
como base a certeza inelutável da nossa condição humana presente («Sois pó») e
futura («e em pó vos haveis de converter»).
Este sermão - que é muito longo - bem merece uma leitura
atenta, tendo-se em conta que o Padre António Vieira foi um arquétipo da
perfeição humana e um protótipo de um Santo a quem a Igreja Católica deve o
facto de nunca o ter elevado à honra dos altares, quando ele foi, para além do
grande pregador da Palavra, um modelo humano, que após a morte do rei D. João
IV - o seu grande protector - se viu condenado ao silêncio pelo Tribunal do
Santo Ofício por via das suas profecias sebastianistas e da ética social que
ele defendia e da qual é exemplo a defesa dos índios do Brasil - onde ele
passou um grande parte da vida - e os colonos, com a eliminação do tratamento
cruel a que estes os sujeitavam.
Sermão de Cinzas
O sermão tem sete capítulos.
No I capítulo é feito o anúncio do tema sobre a condição
presente e futura do homem como pó, tendo por base a citação bíblica do Génesis
3,19 "Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de
onde foste tirado; porque tu és pó e ao pó voltarás".
No II capítulo o pregador chama a atenção que o homem embora
estando vivo - é pó - acentuando a sentença de Deus proferida ao primeiro homem
criado à sua imagem e semelhança, mas exposto à queda num tempo finito.
No III capítulo o sermão apresenta a condição precária do
homem praticada em duas figuras bíblicas, verdadeiros representantes do
desengano temporal humano: Abraão e Job, ambos conscientes de serem pó,
conscientes das palavras de Deus ditas às duas primeiras criaturas Adão e Eva,
donde se tira a ilação que qualquer existência humana vive um tempo balizado
entre a origem e o fim.
No IV capítulo o sermão aborda a condição de tanto os mortos
como os vivos serem, efectivamente, pó.
Os vivos são pó levantado
Os mortos são pó caído.
Os capítulos V e VI consistem na confirmação particular do
pó que é o homem e da necessária lembrança dessa realidade.
No capítulo VII é feita, por fim, a comparação de duas
portas bifrontes: uma de vidro, por onde se entra na vida e outra porta de
diamante, por onde se entra na eternidade, o que leva o Padre António Vieira a
não sobrevalorizar o problema que espera o homem com a morte, transferindo essa
angústia para a eternidade que Deus põe à sua disposição, desde que este cumpra
a Lei eterna de Deus e não se deixe cair na tentação contrária.
Pode parecer duro este sermão, do qual se dá, apenas, uma
brevíssima súmula mas suficiente para nos chamar à realidade do pó que somos, razão
que levou a Igreja Católica em obediência ao calendário gregoriano que a
"Quarta-feira de Cinzas" seja o primeiro dia da Quaresma, como um
símbolo da conversão e da mudança de vida, para recordar a passageira
fragilidade da vida humana, sujeita à morte.
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