Psalmo
Esperemos em Deus! Ele há tomado
Em suas mãos a massa inerte e fria
Da materia impotente e, n'um só dia,
Luz, movimento, acção, tudo lhe há dado.
Ele, ao mais pobre de alma, há tributado
Desvelo e amor: ele conduz á via
Segura quem lhe foge e se extravia,
Quem pela noite andava desgarrado.
E a mim, que aspiro a ele, a mim, que o amo,
Que anceio por mais vida e maior brilho.
Ha-de negar-me o termo d'este anceio?
Buscou quem o não quiz; e a mim, que o chamo,
Ha-de fugir-me, como a ingrato filho?
Ó Deus, meu pae e abrigo! espero!... eu creio!
Antero de Quental, in 'Sonetos'
O Convertido
Entre os filhos dum século
maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.
Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza...
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!
Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!
Amortalhei na Fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento...
Só me falta saber se Deus existe!
Antero de Quental, in
"Sonetos
O Inconsciente
O Espectro familiar que anda
comigo,
Sem que pudesse ainda ver-lhe o rosto,
Que umas vezes encaro com desgosto
E outras muitas ansioso espreito e sigo.
É um espectro mudo, grave, antigo,
Que parece a conversas mal disposto...
Ante esse vulto, ascético e composto
Mil vezes abro a boca... e nada digo.
Só uma vez ousei interrogá-lo:
Quem és (lhe perguntei com grande abalo)
Fantasma a quem odeio e a quem amo?
Teus irmãos (respondeu) os vãos humanos,
Chamam-me Deus, ha mais de dez mil anos...
Mas eu por mim não sei como me chamo...
Antero de Quental, in
"Sonetos
Na Mão de Deus
Na mão de Deus, na sua mão
direita
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada
estreita.
Como as flores mortais, com que
se enfeita
A ignorância infantil, despojo
vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e
imperfeita.
Como criança, em lôbrega
jornada,
Que a mãe leva no colo
agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
Selvas, mares, areias do
deserto...
Dorme o teu sono, coração
liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
Antero de Quental, in, "Sonetos"
Um dia, na cidade de Ponta Delgada - na Ilha de S. Miguel - procurei o Campo de S. Francisco e, nele, com a ajuda de um natural estive sentado no banco de jardim onde se suicidou Antero de Quental.
Constatei que aquele elemento da arquitectura urbanística fica encostado ao Convento de Nossa Senhora da Esperança, onde se situa a Igreja do Senhor Santo Cristo, e por detrás, pregada na parede do Convento, estava - como hoje - um elemento de escultura metálica com a representação de uma fateixa suspensa de uma faixa onde se lê a palavra ESPERANÇA.
Na cogitação que então fiz - e agora deixo escrita - pensei que o Poeta naquele momento íntimo em que se despediu da vida com um tiro na nuca, teria escolhido o lugar a que acrescia a existência da palavra - ESPERANÇA - convicto, que Deus o havia de acolher no seu seio, apesar do acto com que pôs fim à sua vida.
O Poeta morreu com essa ESPERANÇA!
Como me estão vedados como a qualquer de nós o julgamento da Misericórdia de Deus, apesar disso é-me lícito pensar que o lugar que o Poeta escolheu para o suicídio não foi em vão que o procurou, porque ele sabia que dentro das paredes "morava" o Senhor Santo Cristo - que ele, embora sobre a Sua revelação aos homens pudesse ter algumas dúvidas sendo, como era, um deísta convicto, naquele tempo - foi a Deus que ele nunca abjurou que escreveu estes quatro sonetos da sua vasta obra poética, que aqui ficam como um testemunho da sua procura e - e crença conseguida - no Ente Supremo.
Aquele banco do Campo de S. Francisco, jamais o esquecerei, porque ali, naquele dia, lembrei com muito amor humano o grande Poeta - o santo Antero como Eça de Queirós o chamou - para naquele lugar dedicar à sua alma uma oração pequenina a que dei toda a minha esperança, na certeza que Deus acolheu aquele que em vida lutou pela melhoria do operariado de todas as classes, mas aos quais os políticos do seu tempo não deram a importância que ele advogava das leituras de filósofo-economista e político Proudhon.
O Poeta morreu com essa ESPERANÇA!
Como me estão vedados como a qualquer de nós o julgamento da Misericórdia de Deus, apesar disso é-me lícito pensar que o lugar que o Poeta escolheu para o suicídio não foi em vão que o procurou, porque ele sabia que dentro das paredes "morava" o Senhor Santo Cristo - que ele, embora sobre a Sua revelação aos homens pudesse ter algumas dúvidas sendo, como era, um deísta convicto, naquele tempo - foi a Deus que ele nunca abjurou que escreveu estes quatro sonetos da sua vasta obra poética, que aqui ficam como um testemunho da sua procura e - e crença conseguida - no Ente Supremo.
Aquele banco do Campo de S. Francisco, jamais o esquecerei, porque ali, naquele dia, lembrei com muito amor humano o grande Poeta - o santo Antero como Eça de Queirós o chamou - para naquele lugar dedicar à sua alma uma oração pequenina a que dei toda a minha esperança, na certeza que Deus acolheu aquele que em vida lutou pela melhoria do operariado de todas as classes, mas aos quais os políticos do seu tempo não deram a importância que ele advogava das leituras de filósofo-economista e político Proudhon.
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