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sábado, 21 de maio de 2016

Dois poemas do Conde de Monsaraz

in, revista "O Occidente" de 20 de Outubro de 1906


De seu nome de baptismo António de Macedo Papança foi agraciado com o título nobiliárquico de 1ºVisconde e depois 1ºConde de Monsaraz em 1890 pelo rei D. Carlos, que assim quis distinguir este advogado, político, par do Reino e poeta, natural de Reguengos de Monsaraz, (Alentejo) cuja obra literária de pendor naturalista demonstra um nacionalismo sadio que ele viveu e sentiu nas charnecas e nos montados da sua terra, onde o povo, o divinal crepúsculo dos horizontes e as vistas dos sobreiros e das giestas em flor lhe deram a inspiração graciosa do lirismo alentejano que lhe guarda um lugar de destaque entre os seus mais lídimos representantes

O Conde de Monsaraz foi um palaciano e um lavrador e como prova da sua poesia naturalista que ele soube encontrar nas coisas e pessoas da sua terra deixou como um pai extremoso, em forma de recado - ou ralhete amigo - este exemplo dirigido às Moças de Bencatel, uma localidade vizinha da sua terra natal.


Ó moças de Bencatel,
não vos zangueis se vos ralho:
muito amor, pouco trabalho;
pouco trigo,muito mel;
- fiai-vos no que vos digo
e não fiqueis mal comigo,
ó moças de Bencatel -
para vós, para a lavoura,
tomai tento, melhor fora
muito trigo, pouco mel.

Vejo terras de pousio,
que andaram sempre lavradas,
todas cobertas de flores;
mais quando chegar o frio
e passarem os calores,
e as chaminés apagadas
e as camas sem cobertores,
mal irá às namoradas
e pior aos lavradores.

Funçanatas e derriços.
cantigas e pasmaceiras,
fazem fugir aos serviços
e faltar às sementeiras:
eis porque estão os cortiços
abarrotados de mel
e estão desertas as eiras,
ó moças de Bencatel.

Como abelhas, as cantigas,
por entre moitas e brejos,
fabricam favos de beijos
nas bocas das raparigas,
e os mocetões das aldeias,
sem canseiras nem cuidados,
largam ancinhos e arados
para crestar as colmeias...

Ó moças de Bencatel,
vós tendes as bocas cheias...
Acautelai-vos , senão
haveis de ficar sem mel,
sem maridos e sem pão!

in, «Musa Alentejana»


Com outro pendor, mas bem demonstrativo da sua poesia regional de usos e costumes do seu tempo, O SENHOR MORGADO é um outro exemplo acabado da sua lira que bem merece a nosso apreço, tendo em conta que naquele tempo o "morgado" sendo o dono do então chamado "morgadio", era a figura que contrariava o empobrecimento das famílias devido as partilhas sucessivas e, desse modo, era o ramo principal que mantinha operante o estatuto económico-social de um dado pedaço de terra.

Foi assim, que o viu e cantou o Conde de Monsaraz:

O senhor morgado
Vai no seu murzelo,
Todo empertigado.
É um gosto vê-lo,
Próspero anafado,
Véstia alentejana,
Calça de riscado:
Homem duma cana!
Vai, todo se ufana
De ir tão bem montado
E ela na janela...
Seja Deus louvado!

O senhor morgado
Vai nas próprias pernas,
Todo bambeado;
Tem palavras ternas
Para cada lado.
Quando passa, sente
Que é temido e amado;
Fala a toda a gente,
Topa um influente:
“Sou um seu criado...”
Eleições á porta,
Seja Deus louvado!

O senhor morgado
Vai na sege rica
Todo repimpado:
Ai que bem lhe fica
O chapéu armado,
E a comenda ao peito,
E o espadim ao lado!
Que homem tão perfeito!
Deputado eleito,
Muito bem votado,
Vai para o Te-Deum, 
Seja Deus louvado!
  

Deixou-nos uma preciosa obra literária de onde ressaltam os seguintes livros:


Crepusculares, 1876;
Catarina de Ataíde, 1880;
Telas Históricas: I - O Grande Marquês;
Telas Históricas: II - A Lenda do Jesuitismo, 1882;
Obras de Macedo Papança, Conde de Monsaraz; Poesias, 1882-1891;
Do último Romântico, Páginas Soltas, 1892;
Benvinda (poema dramático em 5 actos), 1903;
Musa Alentejana, l908;
Lira de Outono (colectânea póstuma), 1952;
Obras (3 vols.), 1957-1958

3 comentários:

  1. Bem haja o Papança, um grande e compadecido português. Pema que não jaja muitos como ele.

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  2. Acordo, homem FANTÁSTICO O PAPANÇA o que nos deixou

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