A ESMOLA DO POBRE
Nos toscos degraus da porta
De igreja rústica e antiga,
Velha trémula mendiga,
Implorava compaixão.
Quase um século contado
De atribulada existência,
Ei-la, enferma e na indigência,
Que à piedade estende a mão.
Duas crianças brincavam
A distância na alameda;
Uma trajada de seda,
De outra humilde era o trajar.
Uma era rica, outra pobre;
Ambas louras e formosas;
Nas faces a cor das rosas,
Nos olhos o azul do ar.
A rica ao deixar os jogos,
Vencida pelo cansaço,
Viu a mendiga, e ao regaço
Uma esmola lhe lançou;
Ela recebe-a, e a criança
Que a socorre compassiva,
Em prece fervente e viva
Aos anjos encomendou.
De um ligeiro sentimento
De vaidade possuída,
A criança mal vestida
Disse a do rico trajar:
— «O prazer de dar esmolas
A ti e aos teus não é dado;
Pobre como és, coitado!
Aos pobres o que hás de dar?»
Então a criança pobre,
Sem mais sombra de desgosto,
Tendo o sorriso no rosto,
Da igreja se aproximou;
E após, serena, em silêncio,
Ao chegar junto da velha,
Descobrindo-se, ajoelha
E a magra mão lhe beijou.
E a mendiga, alvoroçada,
Ao colo os braços lhe lança,
E beija a pobre criança,
Chorando de comoção.
É assim que a caridade
Do pobre ao pobre consola.
Nem só da mão sai a esmola,
Sai também do coração.
Janeiro de 1869
Júlio Dinis, pseudónimo literário de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, médico de formação e escritor de eleição, não deixou na Poesia Portuguesa um nome cantante, ao inverso dos seus livros de prosa que marcaram uma época pelo estilo ímpar dos enredos simples mas de forte cunho campestre, tendo as suas personagens ilustrado nos seus textos as experiências vividas, a quem deu a naturalidade fraterna do amor e da esperança, atributos humanos que ele caldeou como ninguém na Literatura Portuguesa.
Não foi um grande Poeta, mas nesta poesia "A ESMOLA DO POBRE" adivinha-se um quadro de que ele teria sido testemunha num tempo em que as diferenças sociais impunham de um modo desumano a sua presença e se faziam sentir a começar nas tenras idades, pelo que esta poesia é um retrato fiel de uma vivência que não lhe passou despercebida, e que, pessoalmente, muito o teria magoado, porquanto, nos seus livros o que existe de mais profundo e belo são a exteriorização dos melhores sentimentos sadios, o que não acontece no ar garboso do menino rico, a que ele contrapõe o beijo na mão da pobre, como se naquele acto simples o menino pobre desse à mendiga - pobre como ele - a riqueza maior que por vezes devemos dar.
É simples a poesia de Júlio Dinis, mas é, talvez por isso, a mais comovente da sua obra poética que enche o seu único livro de poemas.
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