Natal
Se considero o triste
abatimento
Em que me faz jazer minha
desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frágil
sofrimento.
Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me
trespassa,
Que Este que trouxe ao mundo a
Lei da Graça,
Teve num vil presépio o
nascimento.
Vejo na palha o Redentor
chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os
pastores,
A milagrosa estrela os reis
guiando.
Vejo-O morrer depois, ó
pecadores,
Por nós, e fecho os olhos,
adorando
Os castigos do Céu como
favores.
Bocage
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Natal!
Que Mistério é este que ao longo dos séculos tem levado
tantas personagens de todos os cantos do Mundo, e que apesar das suas vidas
desregradas - como foi a de Bocage - por este tempo não se esquecem de o
lembrar?
Neste dia, em que os meus olhos e toda a minha atenção
cognitiva mergulhou nestes versos admiráveis do Poeta, que morreu a viver de
esmolas de uma sociedade que por demais o ignorou, sentidamente, ergui a Deus,
por palavras simples, fora do contexto de qualquer catecismo eclesial uma
oração em lembrança de Bocage, por aquilo que disse neste soneto, onde está uma
alusão ao nascimento de Jesus e, ao mesmo tempo, à Glória do Calvário.
Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.
Bocage, sabia da vida que levara e é, por ela, que este
último terceto se exprime dolorosamente, senão arrependido de a ter vivido tão
à larga - considerando os castigos do Céu como favores - interpretando para si
mesmo o que era modo dizer-se, na Igreja do seu tempo, quanto àqueles que
viviam longe dela - tendo-lhe passado, naturalmente, distante a frase de Jesus,
citada por S. Marcos, cap. 2, versículo 17: Os sãos não precisam de médico, mas
os enfermos; não vim chamar os justos, mas os pecadores.
Bocage, por se julgar um "outro Aretino" terá
vivido longe desta misericórdia do Menino-Deus a quem dedicou este soneto?
Deus, no tempo devido, ajustou as contas com a sua alma e,
por certo, aquele seu entendimento, com o diz no soneto - Que Este que trouxe
ao mundo a Lei da Graça - terá tido peso suficiente para ser recebido no
assento etéreo.
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