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domingo, 17 de dezembro de 2017

Natal - Um soneto de Bocage



Natal

Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer minha desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frágil sofrimento.

Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me trespassa,
Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presépio o nascimento.

Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando.

Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.

Bocage
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Natal!

Que Mistério é este que ao longo dos séculos tem levado tantas personagens de todos os cantos do Mundo, e que apesar das suas vidas desregradas - como foi a de Bocage - por este tempo não se esquecem de o lembrar?

Neste dia, em que os meus olhos e toda a minha atenção cognitiva mergulhou nestes versos admiráveis do Poeta, que morreu a viver de esmolas de uma sociedade que por demais o ignorou, sentidamente, ergui a Deus, por palavras simples, fora do contexto de qualquer catecismo eclesial uma oração em lembrança de Bocage, por aquilo que disse neste soneto, onde está uma alusão ao nascimento de Jesus e, ao mesmo tempo, à Glória do Calvário.

Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.

Bocage, sabia da vida que levara e é, por ela, que este último terceto se exprime dolorosamente, senão arrependido de a ter vivido tão à larga - considerando os castigos do Céu como favores - interpretando para si mesmo o que era modo dizer-se, na Igreja do seu tempo, quanto àqueles que viviam longe dela - tendo-lhe passado, naturalmente, distante a frase de Jesus, citada por S. Marcos, cap. 2, versículo 17: Os sãos não precisam de médico, mas os enfermos; não vim chamar os justos, mas os pecadores.

Bocage, por se julgar um "outro Aretino" terá vivido longe desta misericórdia do Menino-Deus a quem dedicou este soneto?
Deus, no tempo devido, ajustou as contas com a sua alma e, por certo, aquele seu entendimento, com o diz no soneto - Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça - terá tido peso suficiente para ser recebido no assento etéreo.

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