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terça-feira, 1 de novembro de 2016

O terramoto de Lisboa de 1755


Faz hoje 261 anos que ocorreu esta grande tragédia nacional.

Vivia-se o Dia-de-Todos-os-Santos em 1 de Novembro de 1755 e da tremenda catástrofe o semanário ilustrado "O ARCHIVO POPULAR" de 26 de Agosto de 1837 publicou a seguinte notícia que vamos transcrever de acordo com a grafia actual.
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Depois do Terramoto de 1755

No 1.° de Novembro de 1755 foi Lisboa quase inteiramente destruída por um espantoso terramoto; e este terrível acontecimento ainda boje é citado como um dos mais desastrosos que tem ocorrido no mundo. 
As relações que dele tomos contradizem-se em alguns pontos; o que não é de admirar, por que os espectadores de uma tal cena podiam estar muito capazes de prestar atenção às suas circunstâncias, ameaçados a cada momento de se verem envolvidos na geral destruição. Contudo, das narrações contemporâneas, e das noticias de alguns viajantes, temos coligido com suficiente exactidão os seguiu-tos pormenores.

O tempo conservava-se claro e sereno depois de alguns dias , e até quente para a estação; e a manhã do 1º de Novembro surgiu também com um sol brilhante e um céu limpo de nuvens. Alguns minutos depois das 9 horas ouvia-se hum rumor surdo semelhante aos trovões distantes, o qual foi crescendo gradualmente até ser mais violento que o estrondo da artilharia:  foi então que teve lugar o primeiro abalo  que fez tremer a cidade até aos seus  alicerces, e encheu de consternação os seus habitantes. 

Os edifícios notavam para um e outro lado com tal violência, que os andares superiores imediatamente desabaram esmagando tanto os seus moradores . como as pessoas que passavam pelas ruas. A comoção da terra foi tão forte que era impossível estar de pé: e os
efeitos de uma desgraça tão inesperada e terrível se tornaram dobradamente espantosos pela espessa escuridão que substituiu a claridade  do dia. Milhares de pessoas se precipitavam das janelas para as ruas para evitarem ficar enterradas em suas próprias habitações; e por cima de montes de ruínas se dirigiam para as praças e para as bordas do mar fim de se porem fora do alcance das pedras e madeiros que continuamente se estavam desprendendo.

Sendo o 1.° de Novembro o dia da Festa de Todos os Santos, estavam as igrejas cheias de gente a assistir aos ofícios divinos; e foi aí que pereceu maior numero de pessoas esmagadas debaixo dos tecto e abobadas dos templos , que pela maior parte se abateram. Viam-se as dignidades e ministros do altar com suas vestes sacerdotais, correndo espavoridos, mulheres meias nuas, homens, velhos crianças, de todas as classes e condições, acantonando-se sobre os cais, e ali indistintamente caírem de joelhos , levantando as mãos ao Céu, e clamando em gritos agonizantes: "Misericórdia, Misericórdia, Senhor!

No meio destas angústias e desolação teve lugar o segundo abalo, quase tão violento como o. primeiro, e que completou a obra de destruição. A consternação geral tinha chegado ao seu auge, e os gritos de morte ressoavam de tolos os ângulos da cidade.
A Igreja de Santa Catarina. já desconjuntada pelo primeiro abalo veio então a terra com pavoroso estampido, e matou muita gente, que tinha ido procurar a salvação naquele alto,.
Porém, a mais terrível consequência deste segundo abalo foi parar aqueles que se haviam apinhado nas margens do rio. Este elevou-se repentinamente  fora do seu leito por maneira inexplicável porque naquele momento se não sentia a mais leve aragem.

Em menos de um minuto viu-se uma enorme massa de água, levantada como uma montanha que bramindo e espumando se precipitou sobre as praias com terrível impetuosidade. A multidão ainda tentou fugir, mas a irrupção da onda foi tão rápida que não deu tempo para escapar ninguém. O imenso volume de água caindo sobre a gente, arrastou e engoliu no seu horrível turbilhão, no meio de gritos de dor e angústia, esta multidão indefesa.

Um magnifico cais de cantaria junto ao Terreiro do Paço que recentemente se havia acabado com grande despesa foi naquela ocasião inteiramente absorvido com toda a gente que nele estava. Muitíssimos botes e outras embarcações  pequenas que ali de achavam  amarrados ou ancorados, cheios de gente que avia julgado ser o mar o lugar mais seguro, foram todos do mesmo modo engolidos sem que deles aparecesse vestígio algum.

Entretanto das embarcações fundeadas no rio, umas foram a pique, outras violentamente sacudidas como numa fortíssima tempestade, rebentarão as amarras e garrando foram encalhar nas praias de uma e outra banda do Tejo; algumas houve que girando em roda com incrível rapidez como num remoinho; e outras que viraram e ficaram que quilha para cima. 

Escreveu um capitão de navio que presenciou este fenómeno, e sobreviveu aos seus perigos, que observando a cidade desde seu bordo no momento do abalo, lhe pareceu que balanceava toda de um lado para o outro, como águas do mar quando o vento começa a levantar-se. Este mesmo refere, que tal foi a erupção que houve debaixo de água que atirou com a sua âncora do fundo à superfície da água; e que tão depressa o rio subiu acima de três braças, como imediatamente baixou.

Depois de tantas ruínas e horrores causados pelos dois primeiros abalos da terra,parecia haver-se tocado a meta do infortúnio e que esta não podia ser excedida; porém, havia um terceiro abalo que veio ainda aumentar a miséria desta infeliz povoação; foi alguma coisa menos violento que os dois precedentes: porém o rio cresceu e se retirou de novo com a mesma rapidez e violência; e tal foi a impetuosidade com que se agitou, que embarcações houve que estando ancoradas com braços de água foram achar-se em seco pela terra dentro. Esta alternado crescimento e diminuição das águas  repetiu-se várias vezes, fazendo cada uma novos estragos e destruição.

Julgava-se, geralmente, que a cidade de Lisboa ia ser inteiramente varrida da superfície do Globo.

Cessarão enfim os abalos de terra as suas destruições para dar lugar a outro furioso elemento não menos horrível e destruidor. Por muitas partes ao mesmo tempo rompeu o fogo com tal fúria, que dentro em pouco toda a cidade parecia uma fogueira. O princípio desta conflagração deve atribuir-se não só à explosão de fogos subterrâneos pelas largas fendas que se abriram na terra; mas também ao lume que a essa hora estava aceso em todas as cozinhas, e ao grande número de círios e tochas de cera que, em razão da festividade do dia, ardiam em todas as Igrejas; donde pegando nas armações e madeiramentos caídos se comunicavam aos edifícios vizinhos e em breve se espalhou por toda a cidade. 

A perda de vidas e propriedades produzida pelo incêndio foi talvez igual à produzida pelo terramoto. Só no fim de seis dias é que o fogo pode ser abafado. Calculou-se que a perda total de vidas nestes diferentes desastres fora, segundo as mais exactas estimações de 20 mil almas.

É quase impossível dar uma ideia do estado duma tão grande povoação como a de Lisboa, no meio destas cenas de horror e desolação! As distinções de jerarquia, o poder da riqueza, a supremacia dos postos, a diferença de classes, tudo desapareceu a um tempo e a sociedade se viu então reduzida ao seu primitivo estado de confusão.

Todo o país à roda de Lisboa estava coberto de fugitivos em estado de total abandono. Os presos que havia recobrado a sua liberdade, espalharam-se por toda a parte para saquearem e destruírem o que havia escapado aos terramotos e ao incêndio.

No meio da  consternação geral espalhou-se o boato de que o governo dera ordens para que do castelo e demais altos se fizesse fogo de artilharia sobre a cidade , afim de por este modo poder abafar o incêndio; de maneira que todos aqueles, a quem escapara alguma propriedade, só tratavam de salvar o que podiam e com suas famílias principiaram a fugir para os campos a toda a pressa. Assim a cidade for abandonada por toda a gente responsável, e a turba dos vadios e malfeitores ficou senhora de efectuar o saque e perpetrar toda qualidade de crimes, sem haver quem Ilhes fosse à mão.

Em tão horrível crise duas circunstâncias felizes preservaram Lisboa da sua total destruição. A primeira foi a salvação d'el-rei D. José, que pode escapar-se com a rainha e toda a família real do seu palácio da Ribeira, um instante antes que este abatesse; e foram refugiar-se na real quinta de Belém, onde' viveram três dias dentro das suas carruagens, e depois em barracas de lona levantadas na quinta. 

A presença del-rei, sua autoridade e exortações foram necessárias para o restabelecimento da ordem.
A outra circunstância feliz e sem dúvida mais eficaz, a que aludimos, foi o achar-se à testa do governo o famoso Sebastião José de Carvalho , depois marques de Pombal ; um dos mais hábeis e enérgicos ministros de Estado que a Europa tem conhecido e a cujas sábias e vigorosas providências deverão ser os consternados habitantes de Lisboa a salvação de vidas e fazendas que haviam escapado à geral destruição, e que se dúvida as perderiam aos horrores da fome e às mãos dos malfeitores.

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