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domingo, 13 de novembro de 2016

Sei de um nicho de Santo António


Sei de um nicho de Santo António...

Existe, carinhosamente exposto num local, onde desde a manhã até ao findar o dia, uma luz devidamente colocada realça o ramalhete de flores que o Santo tem a seus pés e, por uma subtileza de que a foto dá conta, do clarão da luz artificial que imerge de baixo para cima ao esboroar-se de encontro à parede em arco e à abóbada do nicho, faz que surjam por detrás em forma de asas duas silhuetas representativas de um anjo, como a dar ao conjunto - muito belo na sua simplicidade - toda a força eclesial deste famoso Santo português exilado, voluntariamente em Itália (na cidade de Pádua) que o tornou um Santo universal canonizado em 1232.

Sempre que o vejo ali, estático, com o Menino ao colo - que configura a aparição que Santo António teve do Menino Jesus que ele tomou nos seus braços - vem-me à lembrança o célebre diálogo versificado que Augusto Gil teceu entre os dois, num dia em que os pôs a passear ao fim da tarde até ao lusco-fusco do dia que, entretanto, se ia fechando.

Leiamos a beleza da forma e o conteúdo do Poema, para ficarmos a saber que ambas as coisas são um momento de rara beleza poética:


Passeio de Santo António

Saíra Santo António do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento.
Um cândido sermão sobre o pecado.

Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite plácida baixando…

E andando, andando, viu-se num outeiro
Com árvores e casas espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, bem puxadas.

Surpreendido por se ver tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descansar o bom do monge,
Com a resignação de quem é santo

O luar, um luar claríssimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade,
O Menino Jesus baixou do céu,
Pôs-se a brincar com o capuz do frade.

Pêro, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais…
Os rouxinóis ouviam-se distante.
O luar, mais alto, iluminava mais.

De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito;
Ela trazia ao ombro a cantarinha,
Ele trazia…o coração no peito.

Sem suspeitarem que alguém os visse,
Trocaram beijos ao luar tranquilo.
O Menino, porém, ouviu e disse:
_Oh frei António, o que foi aquilo?...

O santo erguendo a manga de burel
Para tapar o noivo e a namoradad,
Mentiu numa voz doce como o mel:
_Não sei o que fosse. Eu cá não ouvi nada…

Uma risada límpida, sonora,
Vibrou em notas de oiro no caminho.
_Ouviste, frei António? Ouviste agora?
_Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho…

_Tu não está com a cabeça boa…
Um passarinho a cantar assim!...
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim,

Corado como as vestes dos cardeais,
Achou esta saída redentora:
_Se o Menino Jesus pergunta mais,
…Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!

E voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento,
Pegou-lhe ao colo e acrescentou: Jesus,
São horas…
E abalaram p’ró convento.

Augusto Gil
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Sei de um nicho de Santo António...

Fica num local íntimo, onde vou de vez em quando e ao qual costumo rezar de todas as vezes que acendo o pequeno feixe de luz, parecendo-me que o Menino Jesus que ele sustenta em seu braços me agradece - não a luz que lhe dou de que ele não precisa - mas a estima que tenho por aquele Santo da Igreja que Ele fundou e que já tive a dita de o visitar em Pádua e, de certo modo, me senti melindrado, quando no decorrer de uma Missa a que assistia, o sacerdote celenrante o chamou de Santo António de Pádua, como se desconhecesse que Fernando Martim de Bulhões (que se tornou António na Ordem Franciscana) havia nascido em Lisboa, bem perto da Sé.

Recordo-me que no fim da Missa o procurei e com a postura serena lhe disse ser natural de Portugal e saber que aquele famoso Santo tinha nascido em Lisboa, informação - que o sacerdote, sabendo-a, e bem - o levou a rir com prazer e a acentuar que os Santos de Deus são da "Pátria do Céu", mas sem deixar de dizer que morrera em Pádua e dali irradiara para todas as "Pátrias" terrenas e tinha ali, na Basílica que lhe fora consagrada todo o amor que lhe tinha o povo paduense...tal como eu... que sei onde está um certo nicho de Santo António.

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