A ASSUNÇÃO
A uma velha capa que São João
deixou,
A Virgem Maria ainda a
aproveitou…
Escolhendo a parte menos gasta e
puída,
Desfaz-lhe as costuras, tira-lhe
a medida,
Talha uma roupinha para uma
criança
Que era a mais rotinha das da
vizinhança.
Prestes a alinhava, logo a cose
e prova.
Que linda, que linda! Parecia
nova…
Nesse tempo a Virgem quantos
anos tinha?
Não ficou a conta. Era já
velhinha…
Dava o sol nas casas: brasas de
fogueira…
…Horas de descanso, horas de
quebreira…
– E da idade e de cansaço, e de
calor –
Lento, a invade toda, um dúlcido
torpor…
Fecham-se-lhe os olhos, e
descai-lhe a agulha…
…Passa uma andorinha. Uma
rolinha arrulha.
As mãos escorregam, ficam-lhe
pendentes…
…As cigarras cantam nos trigais
dormentes.
E a pendida fronte, – ainda mais
pendeu…
E a sonhar com Deus, com Deus
adormeceu…
Põe-lhe o manto um anjo,
curva-se a compô-lo,
E outros anjos descem, pegam
nela ao colo…
Com as leves mãos (penugens de
andorinhas)
Vão-na embalando como às
criancinhas…
E embalando-a, voam, lá se vão
com ela!…
Já lá mais alta que a mais alta
estrela!
Outros anjos chegam, querem-na
cantar.
Caluda, caluda, que pode
acordar…
Que as almas dos justos um hino
concertem!
Silêncio, silêncio. Que não a
despertem…
Jesus abre os braços, e já quer
beijá-la,
Mas pára, detém-se, que pode
acordá-la!
E a mãe da Senhora, pediu-lhe a
sorrir:
– Mais logo… Mais logo… Deixai-a
dormir…
Augusto Gil
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Augusto Gil é um dos Poetas portugueses em cujo lirismo encontro sempre motivos de encanto, especialmente, pela simplicidade emotiva das suas composições em que o artifício elaborado da linguagem cede o seu lugar à espontaneidade do assunto, o que fez dele um mestre, como neste caso, em que foi buscar à crença popular a Assunção de Maria ao Céu, algo que desde os mais remotos tempos os testemunhos, indícios e vestígios desta fé comum é manifestada.
Desta fé genuína falam inequivocamente os numerosos Templos consagrados em honra da Assunção de Nossa Senhora e as imagens que mostram este seu triunfo em que a base teológica no Oriente e Ocidente assente nos Doutores da Igreja que falam da Dormição ou Assunção de Santa Maria, que passou da Terra ao Céu por acção da providência divina, glorificando assim a Mãe do Verbo.
Este é o tema deste formosíssimo poema de Augusto Gil que fez dele uma jóia rara de inspiração teológica em que a crença do povo aparece, para no último para de versos e com toda a ternura lembrar Santa Ana - a mãe da Senhora - para com aquele cuidado que só é próprio da atenção das mães, que ao ver a Dormição de Maria, para que ela não fosse acordada avisa, ternuramente:
– Mais logo… Mais logo… Deixai-a
dormir…
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