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quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Ando à procura de mim...


                           Visão

Uma noite, meu Deus, que noite aquela!
Por entre as galas, no fervor da dança,
Vi passar, qual num sonho vaporoso,
O rosto virginal duma criança.

Sorri-me - era o sonho de minh'alma
Esse riso infantil que o lábio tinha:
- Talvez que essa alma dos amores puros
Pudesse um dia conversar co'a minha!

Eu olhei, ela olhou... doce mistério!
Minh'alma despertou-se à luz da vida,
E as vozes duma lira e dum piano
Juntas se uniram na canção querida.

Depois eu indolente descuidei-me
Da planta nova dos gentis amores,
E a criança, correndo pela vida,
Foi colher nos jardins mais lindas flores.

Não voltou; - talvez ela adormecesse
Junto à fonte, deitada na verdura,
E - sonhando - a criança se recorde
Do moço que ela viu e que a procura!

Corri pelas campinas noite e dia
Atrás do berço d'ouro dessa fada;
Rasguei-me nos espinhos do caminho...
Cansei-me a procurar e não vi nada!

Agora como um louco eu fito as turbas
Sempre a ver se descubro a face linda...
- Os outros a sorrir passam cantando,
Só eu a suspirar procuro ainda!...

Onde foste, visão dos meus amores!
Minh'alma sem te ver louca suspira!
- Nunca mais unirás, sombra encantada,
O som do teu piano à voz da lira?!...

Casimiro de Abreu
Setembro - 1858

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Só um poeta romântico podia ter escrito esta pérola literária que, ontem como hoje, mantém viva a imagem do adulto que olha para a criança que foi para lembrar aquele dia - já longe - que o menino partiu correndo pela vida na mira de colher flores... e não voltou!

Ando à procura de mim, terá sido esse o motivo que levou Casimiro de Abreu a escrever este poema, que é atitude que tem marcado - desde o princípio do Mundo todas as gerações - porque em dados momentos da vida a criança devia continuar a viver dentro do adulto - mas como diz o Poeta, foi colher flores e não voltou - deixando-o entregue ás suas estultícias, vaidades, arrogâncias e a todos os males de que costuma enfermar a vida adulta, pela simples razão que na grande maioria, não se vai buscar à criança que se foi o encanto, a graça e a simplicidade da inocência.

Casimiro de Abreu não acaba o poema sem nos dizer que procurava, ainda, a visão da sua infância, alertando-nos para essa necessidade, que devia ser no adulto uma procura nos momentos mais agrestes que a vida tem.

Ando à procura de mim, devia ser assim, não uma figura de retórica, mas uma realidade que se devia viver!

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