Pesquisar neste blogue

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Pergunto-te... (um Poema de Cecília Meireles)


                         in, Wikipedia


Pergunto-te
Onde se Acha a Minha Vida

Pergunto-te onde se acha a minha vida.
Em que dia fui eu. Que hora existiu formada
de uma verdade minha bem possuída.

Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.

E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida
por esperanças hereditárias? E de cada
pergunta minha vai nascendo a sombra imensa
que envolve a posição dos olhos de quem pensa.

Já não sei mais a diferença
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silêncio da coisa irrespondida.

Cecília Meireles, in "Poemas"

 .............................................................................................................

Sempre me interroguei profundamente sobre este texto poético de Cecília Meireles.

Órfã de mãe com os seus três tenros anos de idade, muito embora tivesse ficado aos cuidados da avó materna, uma micaelense que apesar da falta materna a educou exemplarmente - ao ponto ter merecido a atenção de Olavo Bilac - e depois de ter abandonado o Conservatório Nacional de Música, onde sonhou escrever uma ópera de exaltação do Apóstolo São Paulo - um Santo seu predilecto - acabou por se dedicar à Literatura.

Senhora de um catolicismo adulto, desde sempre entendi que neste seu poema o sentido da pergunta é feita a Deus - Pergunto-te onde se acha a minha vida - e, desde sempre nunca soube encontrar uma resposta minha para a sua afirmação - Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada - parecendo-me que das perguntas que fez a Deus sobrou a sombra imensa de quem como ela foi uma cultora do pensamento, provando assim, que ela, sem deixar de ser fiel à Bíblia, o melhor dos livros como ela dizia onde encontrava tudo, dizendo que, Só viajo com a Bíblia. A Bíblia é uma biblioteca. Tem tudo: história, poesia, religião. Já disse que, se tivesse que escolher o meu livro para uma ilha deserta, levaria a Bíblia, apesar disso, Cecília Meireles foi uma grande interrogadora de Deus, a ponto de dizer no terceto com que acaba o seu poema:

                                        Já não sei mais a diferença 
de ti, de mim, da coisa perguntada, 
do silêncio da coisa irrespondida.
  
Mas foi neste silêncio de coisa irrespondida que Cecíla Meireles encontrou sempre respostas certas, e foi por isso que ao lembrar a memória da avó de S. Miguel (Açores) que lhe formou o carácter que num dos seus formosos pensamentos havia de ter dito, um dia: A dignidade, a elevação espiritual de minha avó influíram muito na minha maneira de sentir os seres e a vida, tecendo na sua terna fieira de linho a vida que fez dela uma alma de eleição que o Rio de Janeiro viu findar, num tempo em que ela já havia dito: Aprendi com a primavera a me deixar cortar. E a voltar sempre inteira.

Cecília Meireles é assim, ainda hoje.

Uma mulher cortada pelo machado da morte - que não poupa ninguém - mas que, enquanto houver nos seus muitos milhares de leitores e admiradores do ser extraordinário que morou dentro da sua alma, em cada Primavera vai voltar sempre inteira, porque nunca vai haver machado que nos corte a sua lembrança espiritual e o modo como ela, um dia, ao dirigir-se a Deus lhe pediu pediu nesta pequena e bela oração: Dai-me, Senhor, a perseverança das ondas do mar, que fazem de cada recuo um ponto de partida para um novo avanço.

Que nós, sobrevivos a esta grande senhora das Letras Brasileiras, repitamos, pedindo ao mesmo Deus de Cecília Meireles, que sejamos assim: como as ondas do mar que recuam, mas fazendo desse aparente atraso da nossa caminhada um motivo de seguirmos em frente.

Sem comentários:

Enviar um comentário