Gravura publicada pela Revista "O Occidente"
nº 836 de 20 de Março de 1902
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De seu nome completo António Cândido Ribeiro da Costa, ficou conhecido por António Cândido, foi uma figura de grande orador político, licenciou-se em Direito e Teologia na Universidade de Coimbra, onde chegou a ser professor catedrático.
Chegou a fazer parte do célebre grupo "Vencidos da Vida", ligado à "Geração de 70", ou "Geração de Coimbra", por obra de Antero de Quental, Eça de Queirós e Oliveira Martins, que vieram a integrar os "Vencidos da Vida", cujo nome, segundo se crê, se ficou a dever ao historiador, quando, definitivamente, renunciaram às aspirações da juventude, uma decisão que apanhou António Cândido e o levou a assumir-se como "conservador", descrente nas teorias do socialismo utópico, advogando na cena pública, como parlamentar que o regime jamais excluísse as minorias da sua intervenção política.
Ministro do Reino em 1889, já antes a sua aura de orador se tinha ouvido no Ateneu Comercial do Porto em 29 de Agosto de 1887, num inflamado discurso sobre a Moral Política, constituindo um momento do programa "Vida Nova" que ele apresentara na então chamada Câmara dos Deputados, em 1880 e que Oliveira Martins desenvolveu em 1884 dentro das atribuições políticas do Partido Progressista.
Este discurso de 1887 foi proferido num tempo em que António Cândido, conformado com os destinos da política que se vivia, havia aceitado uma solução ditatorial de âmbito provisório tendente a resolver a política portuguesa que tendia a afundar-se na primeira borrasca, o que não tendo acontecido à revolução republicana do Porto em 1891, acabou por sucumbir em 1910, ao fazer cair a ditadura de João Franco.
Foi longo o discurso de António Cândido, mas dele, retiro depois dos agradecimentos aos dirigentes do Ateneu Comercial do Porto, alguns passos, como este:
E, cumprido este dever de gratidão e de sinceridade,
proponho-vos já, meus senhores, o assunto da minha conferência. É a Moral na
Política. Poderia eleger outro, mais fácil, mais ameno, mais aberto às
iluminações do sentimento, sempre gratas ao espírito peninsular; entendi,
porém, que era este o mais útil e oportuno emprego da minha palavra. Se
quisesse apenas entreter-vos, ser agradável à sensibilidade estética do vosso
espírito, sei bem o que havia de fazer... Mas há tempo para tudo, meus
senhores; e, se me não engano, soou a hora de meditarmos seriamente sobre as
graves condições actuais da nossa vida social e política.
Um dos mais belos períodos da história humana foi aquele em
que se inaugurou a transição dramática do antigo sistema para o actual regime
da liberdade. É ainda recente. Os nossos pais foram agentes ou testemunhas
dessa transição. O que fascinou, encantou os povos foi a ilusão imensa –
formosíssima ilusão! - que fez crer que a felicidade social podia resultar,
imediata e perfeita, da simples acção das leis! Certas palavras tiveram então o
maior prestígio que pode haver nos sons articulados da nossa língua. A poesia
lírica, esta adorável faculdade que conserva sempre no género humano, ainda nas
velhas idades, a sua antiga alma infantil e moça; a poesia lírica tomou para
si, como assunto, a emancipação da liberdade humana, e cantou-a fervorosamente.
A himnologia da revolução liberal em todos os povos é um
capítulo interessante, curiosíssimo, que está por escrever. Vós ainda ouvistes
o que se cantava, dentro dos muros desta cidade, nos memoráveis dias do
cerco...
Mas não foi somente no coração popular, naturalmente
ingénuo, que o entusiasmo pela aparência das coisas chegou ao sublime
desvairamento em que é possível a germinação conjunta da poesia e do heroísmo.
Os primeiros efeitos da mutação política perturbaram e iludiram até os melhores
espíritos. Pensou-se, escreveu-se que a liberdade era escola de si própria e um
curso permanente de moral política! Stuart Mill, que morreu há poucos anos,
Laveleye, que vive ainda, tiveram esta convicção, e sustentaram-na vigorosa
mente...
Não era, não podia ser. E não tardou que a esperança caísse,
desfeita... A alma dos povos, como a alma dos indivíduos, agitada e sacudida
por uma comoção violenta; transfigura-se, ilumina-se, sente em si um deus
interior, vê intuitivamente mil coisas que eram obscuras... Depois a vibração
acaba, o entusiasmo arrefece, as coisas entram no seu curso normal, irregular e
lento... e vê-se então que em matéria de costumes não se edifica levemente, não
se edifica depressa.
A demonstração disto é fácil, mas dolorosa: dolorosa para a
minha sensibilidade, que tem o grave defeito de se retrair ante o conspecto das
inferioridades humanas e de sofrer profundamente com a inanidade e tristeza de
muitas coisas... Afirma-se, por isto, que sou pessimista! Não é exacto. Os
pessimistas têm a voluptuosidade do mal, que eu nunca senti. Creio que a
História é uma grande edificação moral, e daí resulta a minha fé profunda no
Bem. Do homem de hoje e de sempre sei dizer que me merece admiração e piedade,
os dois sentimentos ao mesmo tempo, por que ele não é "ange" nem "bête", segundo o
belo pensamento de Pascal.
O homem não é anjo nem besta, concluiu António Cândido, citando Pascal.
E, de facto não é... mas, às vezes parece ser mais besta que anjo pelas suas atitudes, pelo que parece, ao olhar o tempo presente, como aconteceu com a Revolução de 1974 em que houve sonhos de reinvenção de uma "Vida Nova" - como António Cândido prefigurara em 1880 - apetece recopiar as suas palavras e dizer: E não tardou que a esperança caísse, desfeita... A alma dos
povos, como a alma dos indivíduos, agitada e sacudida por uma comoção violenta;
transfigura-se, ilumina-se, sente em si um deus interior, vê intuitivamente mil
coisas que eram obscuras... Depois a vibração acaba, o entusiasmo arrefece, as
coisas entram no seu curso normal, irregular e lento...
É, por isso, chegado o tempo de nos levantarmos em pese, embora, o atraso sócio-cultural que ainda temos, apetece citar, uma vez mais António Cândido no seu discurso e dizer com ele disse, quase a findar a sua alocução: É certo que o nível moral da política tem bailado. É um grave mal,
mas não é um mal irremediável. Cumpram o seu dever os que o conhecem. Podem
poucos salvar a muitos. Há contágio no mal, mas há simpatia no bem. Esta fase,
tão mórbida, tão desalentadora, há-de passar, cedendo, a outra melhor. Como?...
Quando?... Ainda, no nosso tempo?... Não sei. Mas uma das mais belas faculdades
da organização humana é a de sentir e praticar o dever, sem a visão directa do
seu fim útil.
Ou seja, cumprir o dever parece-se com o lavrador que planta uma árvore e, embora, sem ter a certeza de vir a comer do seu fruto - o seu fim útil - assim é o dever que todos temos de cumprir, ainda que não vejamos os resultados da nossa acção.
O que não podemos é continuar a perder tempo em coisas menores ou a desviar o dever público para actos menos nobres, o que infelizmente, tem acontecido.
Ler António Cândido - um filho querido de Amarante - é mergulhar nas raízes mais nobres do Portugal antigo.
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