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terça-feira, 26 de abril de 2016

"Quadras Alfacinhas"


A cidade de Lisboa pelo seu historial que vai beber bem longe na Roda do Tempo a sua aura de terra marinheira que albergou no seu seio Heróis e Santos, desde sempre despertou nos seus naturais, ou que o não fossem - o encanto que merecem ter as cidades imperiais que, embora hoje, no caso de Lisboa, esteja decaído o velho Império de que ela foi capital - continua a suscitar na alma dos homens que têm a graça de ser artistas, o fascínio que se abriga, quer seja nos bairros antigos que nasceram à flor das águas do rio Tejo, como nos que, pela sua expansão, constituem hoje, a cerca urbanística moderna que lhe dão o ar das grandes metrópoles.



QUADRAS ALFACINHAS

Lisboa à tarde, revela
como a luz lhe doira a fronte.
Quando o sol morre na Estrela
ardem vidraças no Monte.

A bandeira de Lisboa
do seu Santo traz a marca.
Negra das penas dos Corvos, .
branca da vela da barca.

Cabem no Tejo, por arte
do seu seio largo e fundo,
corações de toda a parte
e esquadras de todo o Mundo.

Caia o Carmo e a Trindade,
não se abala a minha fé.
Sou mais firme na vontade
do que os terraços da Sé.

Entra a barra, olha a cidade,
tanta luz a pôs em festa
que ninguém viu claridade
que se compare com esta.

Lisboa, solar roqueiro
erguido à beira do rio !
Que átrio tão nobre - o Terreiro.
Que linda sala - o Rossio.

Nunca convenci Sereias,
por mais blandícias que forje.
São mais duras que as ameias
do Castelo de S. Jorge.

Ah ! se Lisboa soubesse
este amor que me flagela,
não deixava que eu morresse
a não ser nos braços dela.

Lisboa, pátria de tantos;
nela nasceu D. Diniz.
Foi mãe de poetas e santos,
berço  do Mestre de A vis.

Se da barra  sopra o vento
faz o Tejo estardalhaço,
e vem ralhar, rabugento,
contra o Terreiro do Paço.

Lisboa sonha aos serões,
trabalha os dias cansados,
deita-se com os pregões,
acorda com os mercados.

Vista de Almada, a cidade
retrata-se em corpo inteiro ...
Só vista de longe cabe
nos olhos do forasteiro.

Marchas de Lisboa espantam,
mas não por ser novidade.
Os pardais bailam e cantam
todo o ano na cidade.

Saia que Lisboa veste
tem o Mar por bordadura,
cobre-a um manto azul celeste
e o corpete é de verdura.

Formosas Tágides minhas,
se eu fosse um dia hortelão
só semeava alfacinhas
dentro do meu coração.

Nasce o sol no Mar da Palha,
beija o Tejo e, de contente,
logo toda a luz espalha
nas torres de S. Vicente.

Faz anos Lisboa. Vá
que é uma idade bem linda!
Conta oito séculos já
e não tem rugas ainda.

Bandeira de Afonso! O amor
e a Fé, tornaram-na em luz.
Até o Céu deu a cor
para traçar uma Cruz.

Da sátira Tolentina
há jarretas a bramar,
vendo em Santa Catarina
navios, com asas, no ar.

Nesta cidade tão bela
as ruas são um tesoiro:
ruas do Sol e da Estrela,
ruas da Prata e do Oiro.

Há quem diga: Foi Ulisses
quem fundou a capital.
Nem mesmo que tu o visses
acreditavas em tal.

D. Manuel quis guardar bem
o Tejo, e pôs-lhe à entrada
o castelo de Belém
feito de pedra arrendada.

Não há moiras encantadas
em Lisboa, infelizmente,
mas há cristãs batizadas
e essas encantam a gente.

Deu Lisboa, em património,
dois santos à sua gente :
Por defensor, Santo António,
por patrono, S. Vicente.

Sete montes, disse um louco,
tem Lisboa em seu distrito.
Sete montes? acho pouco
para um sítio tão bonito.

Afonso Henriques ganhou-a.
entrando as portas do Mar.
Foi por isso que Lisboa
teve o fado de embarcar.

M.S.
in, revista "Olisipo"- ano X, nº 40 de Outubro de 1947


Quem se escondeu por detrás das Iniciais M.S.?


Presumo que seja Matos Sequeira (Gustavo), então Director da Revista Olisipo, um "alfacinha de gema" que foi um notável conferencista, academista e um articulista de grande valor, sobretudo em temas de arte e arqueologia, tendo-lhe pertencido a iniciativa da fundação do Grupo Amigos de Lisboa, génese da revista "Olisipo".

As quadras que M.S. nos deixou, intituladas "Quadras Alfacinhas" são um exemplo de como a história se pode tornar o centro da ideia e, de como ela, seguindo a linha mestra do artista se emoldura com arte e beleza e na orografia do relevo da cidade os sete montes que são as suas colinas - que ele acha pouco / para um sítio tão bonito - ao erguerem-se da cota das águas ribeirinhas, foi por elas que o rei Afonso entrou para o assalto definitivo, e foi por elas que Lisboa teve o fado de embarcar.

É assim que M.S. acaba a melopeia cantante das suas "Quadras Alfacinhas", deixando, na singeleza sábia do contexto em que elas se prendem, todo o encanto do lisboeta amante de sua cidade, onde as ruas são um tesoiro, e a Torre de Belém, na sua pedra arrendada, ficou ali, por ordem do rei D. Manuel para mostrar aos que chegavam pelo mar, como a cidade, toda ela é uma renda bordada pelo casario aninhada nas faldas do monte do Castelo, tendo por defensor Santo António e por patrono São Vicente, cujas relíquias foi pelas portas do Mar, que entraram até à Sé de Lisboa.

Estas "Quadras Alfacinhas", verdadeiramente, são um tesouro!

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