O 25 de Abril de
1974, de Movimento Militar de jovens capitães rapidamente se converteu em
Revolução.
Saudar os
Capitães de Abril, quarenta e dois anos depois, é dever de todos os que, em
Portugal, se louvam da Democracia que o seu gesto patriótico permitiu
instaurar.
Saudar o Povo,
que assumiu esse testemunho e o converteu em fundamento do Estado Social de
Direito que temos, é assinalar o primado da soberania popular. Desde logo,
expressa na primeira eleição para a Assembleia da República, há, precisamente,
quarenta anos.
Toda a revolução,
ao longo da História, é feita de várias revoluções, tantas quantos a viveram,
mais ou menos intensamente.
A Revolução de
1974 e 1975 foi, também ela, feita de muitas revoluções.
Olhando para os
projetos das forças partidárias com assento na Assembleia Constituinte, é
possível deparar com várias revoluções, a que se somaram as sonhadas por outras
forças sem tal representação.
E, como acontece
sempre nos processos revolucionários, houve momentos em que a primazia parecia
pender para um ou alguns desses projetos, para, logo a seguir, a correlação de
forças favorecer projetos diversos.
A Constituição da
República Portuguesa, promulgada em 2 de abril de 1976, acolheu o compromisso
possível entre diversas revoluções, depois de 25 de novembro de 1975.
Esse compromisso
viria a ser reformulado em sucessivas revisões, com especial relevo para as de
1982, quanto ao regime político e ao sistema de governo, de 1989, quanto ao
regime económico, e de 1997, quanto a vertentes políticas e sociais.
Mas, como um
todo, a Revolução de 25 de Abril de 1974, na versão compromissória do constitucionalismo
de 1976, acabou por abrir a Portugal o horizonte para quatro desafios cimeiros,
que dominaram as décadas que se lhe seguiram.
Descolonização,
Democratização, integração europeia e construção de uma nova economia.
Descolonização,
entre 1974 e 1975, tardia, realizada no meio de uma Revolução, culminando na
independência dos Estados irmãos na língua e em tanta mundividência, e
alterando perfis económicos e sociais na Comunidade que éramos.
Democratização,
concretizada por fases, e em que a transição para o poder político democrático
eleitoral conheceu a sua expressão plena seis anos depois de 1976.
Integração
europeia, decidida em 1977 e formalizada oito anos volvidos, em 1985.
Mudança da
economia, em ciclos muito diversos – o primeiro, da ruptura dos laços coloniais
e das nacionalizações e expropriações; o segundo, o das reprivatizações para
mãos portuguesas, com apoio público; o terceiro, o da recente transferência
para mãos estrangeiras em sectores-chave, num contexto de crise financeira e
económica.
Quatro desafios,
vividos quase em simultâneo, como nenhum outro antigo Império Europeu Ocidental
moderno havia enfrentado.
Sem guerra civil,
com a excepcional integração de setecentos mil compatriotas, percorrendo, em
escassos anos, caminhos que economias europeias fortes haviam trilhado em
quarenta anos.
Quando os mais
jovens, tantas vezes minhas alunas e meus alunos, olhavam para o balanço destas
quatro décadas ou pouco mais – com sentido muito crítico, para não dizer quase
total incompreensão –, vezes sem conta lhes chamei a atenção para o tempo que
não conheceram e para o que foi o percurso que para todos eles é já
pré-história.
Não sabem o que é
ditadura, censura, elevadíssima mortalidade infantil, escolaridade obrigatória
não totalmente cumprida de seis anos, um milhão de emigrantes numa década,
começo do despovoamento de um interior continental e de áreas das atuais
Regiões Autónomas.
Manda, por isso,
a verdade que se reconheça que a Democracia permitida pelo 25 de Abril
representou uma realidade sem precedente na nossa História
político-constitucional, em participação no poder central, regional e local, em
independência dos tribunais, em autonomia política dos Açores e da Madeira e
autonomia administrativa do Poder Local, em liberdades fundamentais, em mudança
drástica dos indicadores de saúde, em democratização no sistema de ensino, em
profundo avanço no papel da mulher na sociedade portuguesa, em abertura externa
e circulação de pessoas e ideias, em preocupações intergeracionais e de
qualidade de vida. E até na projeção internacional de tantos dos nossos
melhores, sem precedente na História contemporânea.
Só que a mesma
verdade manda que se diga que os quatro desafios enfrentados em tão concentrado
espaço de tempo tiveram custos de vária ordem, que, somados a crises externas e
a fraquezas internas legitimam queixas e frustrações em muitos Portuguesas e
Portugueses. E, em particular, nos mais jovens, como aqueles – do Conselho
Nacional de Juventude –, que ontem me deram, simbolicamente, este cravo para
que, hoje, ao evocar os quarenta e dois anos do 25 de Abril, não me esquecesse
do muito que está por fazer.
O Portugal
pós-colonial tem de cuidar mais da língua, valorizar mais a cultura, ir mais
longe na educação, na ciência e na inovação, dar mais peso às comunidades
espalhadas pelo Mundo, apostar mais na CPLP, dar aos que de fora vieram e
integraram o nosso País Social a importância no País Político que lhes tem sido
negada.
O Portugal
Democrático tem de repensar o fechamento no sistema de partidos e nos parceiros
sociais, recriar formas de aproximação entre eleitores e eleitos, ser mais
efetivo no combate à corrupção e mais transparente na vida política.
E ir mais longe quanto
à mulher na política e na chefia administrativa, ao jovem na sucessão
geracional, ao emigrante e ao imigrante na vivência cívica.
O Portugal que
acredita na Europa tem de lutar por uma Europa menos confidencial, menos
passiva, mais solidária, mais atenta às pessoas, e sobretudo que não pareça
aprovar nos factos o oposto daquilo que apregoa nos ideais.
O Portugal do
desenvolvimento tem de dar horizontes de esperança, que não sejam o ir de crise
em crise até à incerteza total. Sem ficar refém pela dívida ou pela dependência
intoleráveis, afirmando-se capaz de crescer, competir, criar emprego, dar
futuro aos Portugueses.
O Portugal da
coesão social e territorial deve ser muito mais corajoso não só a recuperar a
classe média ou a alimentar a circulação social, mas também a combater as
assimetrias e a pobreza que nos deve envergonhar.
É injusto negar o
que todos devemos ao 25 de Abril de 1974.
É, no entanto,
míope negar as desilusões, as indignações, as frustrações com a qualidade da
Democracia, a debilidade do crescimento, a insuficiência do emprego, o aumento
das desigualdades, a persistência significativa da pobreza.
O saldo é
claramente positivo, para quem tiver a memória dos anos 70. Mas pode começar a
ser preocupantemente descoroçoante para quem só se lembrar dos anos 90 e da
viragem do século.
Senhor
Presidente,
Senhoras e
Senhores Deputados,
Minhas Senhoras e
Meus Senhores,
A solução não
passa, porém, por pessimismos antidemocráticos, por populismos antieuropeus,
por tentações de culpabilização constitucional.
Eu sei, nós
sabemos, que estes tempos não são fáceis.
Nem na incerteza
quanto ao crescimento e segurança e na falta de transparência financeira
mundiais. Nem na lentidão ou tibieza quanto à resposta conforme aos seus
princípios por parte de alguma Europa nos refugiados, como na política externa
e de segurança, na economia, ou na capacidade para evitar fracturas
antisolidárias as mais inesperadas.
Nem na evolução
económica recente, ou em curso, que aconselha permanente atenção às previsões e
seus reflexos financeiros. Sem dramas, que a rectificação de perspectivas é
realidade a que nos habituámos ao longo dos anos. E é preferível à negação dos
factos.
Mas, é neste
quadro que nos movemos, hoje, em Portugal.
Felizmente,
quanto aos grandes objectivos nacionais, há um larguíssimo acordo entre os
Portugueses. Vocação universal, pertença europeia, importância essencial de
lusofonia, transatlantismo, defesa do Estado Social de Direito, aposta na
educação, na ciência, na inovação, combate às desigualdades e à pobreza, maior
circulação social e mais fortes classes médias, mais e melhor democracia e
sobreposição do poder político ao poder económico. E, ainda, como condições
necessárias, crescimento e emprego sem desequilíbrios financeiros insanáveis.
Felizmente,
também, há, no nosso País, neste momento, dois caminhos muito bem definidos e
diferenciados quanto à governação, ao modo de se atingir as metas nacionais.
Diversos quanto
ao papel do Estado na economia e na sociedade. Diversos quanto às prioridades
para a criação de riqueza. Diversos quanto ao tempo e ao modo da redistribuição
da riqueza. Diversos na filosofia e na prática política.
Cada um desses
caminhos é plural, mas querendo ser alternativo ao outro. Com lideranças e
propostas próprias. Clarificação esta muito salutar e fecunda.
A Democracia
faz-se de pluralismo, de debate, de alternativa. Assim, quem se pretenda
alternativa, de um lado e de outro, demonstre, em permanência, a humildade e a
competência para tanto.
Temos, assim,
amplo acordo de objectivos nacionais, por um lado, e dois distintos modelos de
governação, por outro.
O que motiva três
interrogações.
Quer isto dizer
que vamos prosseguir em clima de campanha eleitoral?
Ou que os
consensos sectoriais de regime são impossíveis?
Ou que a unidade
essencial entre os Portugueses é questionada pelas duas distintas propostas de
Governo?
A resposta a
estas três questões só pode ser negativa para os Portugueses. E, em particular,
para o Presidente da República, cujo mandato nacional é, por sua própria
natureza, mais longo e mais sufragado do que os mandatos partidários. E não depende
de eleições intercalares.
Não. Portugal não
pode nem deve continuar a viver, sistematicamente, em campanha eleitoral. Exige
estabilidade política, crucial para a estabilidade económica e social. O estar
adquirida, finalmente, essa estabilidade é um sinal de pacificação democrática
que deve reconfortar os Portugueses.
Não. O
estimulante pluralismo político não impede consensos sectoriais de regime.
Alguns dos quais não precisam sequer de formalização para se irem afirmando
diariamente. Como na Saúde, por exemplo, onde o que aproxima é, cada vez mais,
mais do que aquilo que afasta. Mas esse pode ser, como já disse, um primeiro
passo apenas para consensos noutros domínios, da vitalização do sistema
político ao traçado e estabilidade do sistema financeiro, ao sistema de Justiça
e à Segurança Social. Possivelmente, com passos lentos mas profícuos.
Não. A saudável
contraposição de duas fórmulas de Governo não atinge o fundamental na unidade
dos Portugueses.
Como nunca
atingiu.
É olhar para a
forma como Portuguesas e Portugueses estão a viver a saída de uma crise,
certamente uma das mais pesadas desde o 25 de Abril de 1974.
Elas e eles
sofreram sacrifícios, cortes, penalizações. Adiaram sonhos e congelaram
projetos de vida. Viram familiares partirem, substituíram empregos sólidos por
expedientes de emergência.
E uniram-se.
Filhos voltaram para casa dos pais. Avós receberam filhos e netos. Mudaram de
terra e sobreviveram em conjunto.
Uniram-se. E
assim puderam e podem começar a reacreditar no futuro. Elas e eles foram os
grandes vencedores sobre a crise.
Continuam, agora,
a pensar coisas diferentes. A votar em listas diversas. A divergir na política,
no trabalho, na vida local, no desporto.
Para uns, a
governação atual é promissora. Para outros, um logro.
Para todos,
contudo, uma certeza existe neste tempo: mais instabilidade, mais insegurança,
não abre caminhos, fecha horizontes.
E, por isso,
vivem já uma distensão, impensável há escassos meses.
Neste 25 de abril
de 2016, quarenta e dois anos depois do 25 de Abril de 1974, essa lição é um
sentido de vida para tempos difíceis, a apelarem à sensatez.
Unamo-nos no
essencial. Sem com isso minimamente negarmos a riqueza do confronto
democrático, em que Governos aplicam as suas ideias e oposições robustecem as
suas alternativas.
Troquemos as
emoções pelo bom senso.
Naqueles que
devem governar, com voluntarismo mas com especial atenção a que o possível seja
suficiente, e mais do que isso, seja bom para Portugal.
Naqueles que
devem contestar, com firmeza mas com a noção de que o tempo não muda
convicções, mas pode alterar ou condicionar soluções.
A Democracia
criada a partir do 25 de Abril de 1974 tem de ser recriada, todos os dias, para
se não negar, nem negar futuro aos Portugueses.
Saibamos, também,
todos nós, honrá-la e servi-la, renovando o que importa renovar, debatendo o
que há a debater, sonhando o que há a sonhar.
Mas olhando para
o exemplo dos mais simples e humildes. Do Povo que é a verdadeira origem do
poder.
Preservando
sempre a unidade no essencial.
A pensar em
Portugal!
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