Fac-simile de uma gravura de Santo António
publicada pela Revista "O Occidente" nº 1276 de 10 de Junho de 1914
Um Santo Universal, eis como é conhecido o nosso Santo António, nascido bem perto da Sé de Lisboa, num local onde se viria a construir uma Igreja sob a sua invocação, Santo António de Lisboa - ou de Pádua, como os italianos reclamam - é uma das figuras da Igreja apostólica romana mais conhecidas e respeitadas pelo dom da sua vida, onde desde muito cedo, muitos viram ter sido tocada por inspiração transcendental, um facto só possível àqueles que Deus elege para serem seus lídimos representantes terrenos.
Ao ver, na velha Revista "O Occidente" esta invulgar gravura não resisti em fazer que ela devia incluir o meu "blog", como homenagem que presta a tão valiosa figura a minha sensibilidade, que não pode fugir ao sortilégio daquele "Passeio de Santo António" que o génio poético de Augusto Gil havia de assinalar para sempre.
O PASSEIO DE SANTO ANTÓNIO
Saíra Santo António do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um cândido sermão sobre o pecado.
Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite plácida baixando…
E andando, andando, viu-se num
outeiro,
Com árvores e casas espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas.
Surpreendido por se ver tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descansar o bom do monge,
Com a resignação de quem é santo…
O luar, um luar claríssimo
nasceu.
Num raio dessa linda claridade,
O Menino Jesus baixou do céu,
Pôs-se a brincar com o capuz do frade.
Perto, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais.
Os rouxinóis ouviam-se distante.
O luar, mais alto, iluminava mais.
De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito.
Ela trazia ao ombro a cantarinha,
Ele trazia… o coração no peito.
Sem suspeitarem de que alguém os visse,
Trocaram beijos ao luar tranquilo.
O Menino, porém, ouviu e disse:
– Ó Frei António, o que foi
aquilo?…
O Santo, erguendo a manga de
burel
Para tapar o noivo e a namorada,
Mentiu numa voz doce como o mel:
– Não sei o que fosse. Eu cá não
ouvi nada…
Uma risada límpida, sonora,
Vibrou em notas de oiro no caminho.
– Ouviste, Frei António? Ouviste
agora?
– Ouvi, Senhor, ouvi. É um
passarinho.
– Tu não estás com a cabeça boa…
Um passarinho a cantar assim!…
E o pobre Santo António de
Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim,
Corado como as vestes dos cardeais,
Achou esta saída redentora:
– Se o Menino Jesus pergunta
mais,
…Queixo-me à sua mãe, Nossa
Senhora!
Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento,
Pegou-lhe ao colo e acrescentou:
– Jesus, são horas…
E abalaram pró convento.
Há na beleza deste poema um profundo amor do Poeta Augusto Gil pelo Santo e foi de tal forma o seu encanto pelo Santo, que este poema - pela forma e pelo estilo picaresco - tem sido lido, relido e recitado, tal é a graça do passeio que suscitou a Santo António, por causa da impertinência do Menino Jesus, que ele, num dado ponto o ameaçou... o que faz do poema e da liberdade poética que o enforma, um marco indelével em toda a Poesia portuguesa.
Prova isto, que Santo António jamais passará desapercebido, porque é tal a sua grandeza eclesial que a sua figura se tornou obrigatória existir em todos os lares de Portugal e de Itália, sobretudo, em Pádua, que lhe ergueu uma formosa e grandiosa Catedral.
Gostei tanto de voltar a ler. E dizer que sabia esta maravilha toda de cor
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