Teu corpo é chuva branca
A diluir-se entre os meus dedos...
É o rebentar da luz nas grandes
madrugadas,
Ave marinha, pairando,
Sobre o peito claro das areias!
Dentro de mim a tua sombra esvoaça...
- Nocturna borboleta, entre
caniços negros -
Vens, cegamente, por lagoas secas,
Beber na taça dos meus olhos.
Despenham-se os teus braços, como água.
Dentro das tuas pálpebras de ferro
Lutam besoiros, cor-de-rosa,
enquanto
Um arco-íris vai atirando sobre o
palco
Longas farpas de vidro...
Distante...
Como um pássaro de pedra,
Teu gesto vai riscando a areia fria.
Outono 1951
in, "Árvore - Folhas de
Poesia" (1952)
Não conheço - mesmo de nome, o autor, mas encontrei-o casualmente, ao desfolhar a velha publicação - o que prova que a magia da escrita , neste caso, o verso - mas, sobretudo, ao que, como este, linha a linha num ritmo quase de mistério, se encandeia na mistura de um sentimento idílico e nos deixa a interrogar o sentido daquele corpo, estranhamente, rotulado de chuva branca / a diluir-se entre os meus dedos...como se corpo real não houvesse... o que não é assim, porque, é o Poeta que o diz: Dentro de mim a tua sombra esvoaça... deixando assim entender que é só por haver corpo que a sombra existe.
Maravilhosa é a poesia dos símbolos...
Distante...
Como um pássaro de pedra,
Teu gesto vai riscando a areia fria.
E que viva para sempre a arte da poesia e dos homens dotados para nos fazerem entender que se podem amar as sombras quando elas são reflexos vivos de corpos que se procuram para virem beber na taça dos nossos olhos, no sítio onde se formam todos os arco-iris que se costumam atirar para o grande palco da vida, onde as farpas de vidro de que nos fala o Poeta são as cores irisadas do pássaro de pedra que tem o poder de riscar caminhos na areia fria, que é, apenas, uma imagem do ser que caminha como se ele mesmo fosse a tal areia fria em busca da chuva branca... ave marinha, pairando / Sobre o peito caro das areias!
Que bela é a poesia quando é bem tratada!
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