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quarta-feira, 6 de abril de 2016

Epitáfio (II) - Um poema de António Ramos de Almeida



Um feliz acontecimento fez-me chegar às mãos este precioso livro de poemas que de um modo leve, diz coisas muito sérias e no qual o autor, sem perder nada que seja do fino recorte das suas composições poéticas, deixa perpassar em todas as páginas a sagacidade satírica, que é, por excelência o motivo forte que o levou a escrever este livro.

Não é minha intenção fazer aqui um estudo global da obra, mas é minha intenção deixar expresso o meu apreço pelo autor e, porque me revejo - do ponto de vista do leitor - em grande parte das suas composições, refiro esta que serve de exemplo ao estro de quem no verso, sabe ter a arte de colocar modos de viver que parecem contrários aos modos sábios e sensatos que a vida pede.


Epitáfio
(II)

Morreu como viveu,
fossando o tempo inteiro.
Sem nunca olhar o céu,
só o dinheiro.

Jamais lhe sobrou tempo,
nem teve nunca vagar
para deter-se um momento
a sonhar.


Há vidas assim.
Vidas sem tempo para olhar a beleza dos castelos de nuvens que deslizam no céu, por vezes, com as barbacãs bem recortadas nas muralhas andantes ou, até, parecendo barcos que voam... com velas e tudo!

António Ramos de Almeida não pode fugir à sátira que neste poema - bem pequeno na forma - é, contudo, grande no conteúdo e dá que pensar a quem o queira ler e retirar dele o ensinamento vivencial que devia estar presente em todas as vidas, cujo destino está para além da conquista dos que fossando o tempo inteiro - para usar esta liberdade poética do autor, dizer que, efectivamente, é preciso olhar para cima e ver a glória da vida que passa no céu que nos cobre.

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