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sábado, 25 de abril de 2015

A Tempestade - Um poema de Khalil Gibran




A TEMPESTADE


O Pássaro e o homem têm essências diferentes.
O homem vive à sombra de leis e tradições por ele inventadas;
o pássaro vive segundo a lei universal que faz girar os mundos.

Acreditar é uma coisa; viver conforme o que se acredita é outra.
Muitos falam como o mar, mas vivem como os pântanos.
Muitos levantam a cabeça acima dos montes,
porém sua alma jaz nas trevas das cavernas.

A civilização é uma arvore idosa e carcomida,
cujas flores são a cobiça e o engano e cujos frutos
são a infelicidade e a inquietação.

Deus criou os corpos para serem os templos das almas.
Devemos cuidar desses templos para que sejam
dignos da divindade que neles tem morada.

Procurei a solidão para fugir dos homens, de suas leis,
de suas tradições e de seu ruído.
Os endinheirados pensam que o sol e a lua e as estrelas
levantam-se dos seus cofres
e se deitam nos seus bolsos.

Os políticos enchem os olhos dos povos com poeira dourada
e seus ouvidos com falsas promessas.

Os sacerdotes aconselham os outros,
mas não aconselham a si mesmos,
e exigem dos outros o que não exigem de si mesmos.
Vã é a civilização. E tudo o que está nela é vão.
As descobertas e invenções não são mais que brinquedos,
com a mente se divertindo no seu tédio.

Cortar as distâncias, nivelar as montanhas,
vencer os mares,
tudo isso não passa de aparências enganadoras,
que não alimentam o coração nem elevam a alma.

Quanto a esses quebra-cabeças, chamados ciências e artes,
nada são senão cadeias douradas
com as quais os homens
acorrentam-se, deslumbrados com seu brilho e tilintar.

São os fios da tela que o homem tece
desde o inicio do tempo,
sem saber que, quando terminar sua obra,
terá construído a prisão
dentro da qual ficará preso.

Uma coisa só merece nosso amor
e nossa dedicação,
uma coisa só...

É o despertar de algo
no fundo dos fundos da alma.
Quem o sente,
não o pode expressar em palavras.
E quem não o sente,
não poderá nunca conhecê-lo por palavras.
Faço votos para que aprendas
a amar as tempestades
em vez de fugir delas.


Nesta longa poesia de Kahlil Gibran há, com efeito, uma tempestade que se pressente assobiar na alma do homem que não devia viver sem que, num dia qualquer fosse chamado a debruçar-se sobre o seu destino, porque ele não é um pássaro que vive na gravitação constante e universal da lei que rege o seu modo de viver, mas ao invés dele, é alguém que vive à sombra de leis e códigos que ele mesmo inventa para limitar a sua conduta ante os seus iguais.

Isto, contudo, se o limita perante as suas leis seculares - e se para as cumprir gera as suas próprias tempestades o Poeta deixa de parte uma lei especial - que também é criadora de tempestade - mas que o pode livrar de viver acorrentado às leis seculares, declarando claramente e de um modo profilático, o seguinte:

Deus criou os corpos para serem os templos das almas.
Devemos cuidar desses templos para que sejam
dignos da divindade que neles tem morada.

Quanto aos mais, tudo é vão: a civilização, as descobertas, o cortar das distâncias, o nivelar das montanhas e, até, vencer os mares, tudo o que o homem faça e venha a fazer, com o quebra-cabeças das ciências e artes que, quantas vezes, o que fazem é o deslumbramento de quem tais feitos produziu, para ele, a grande tempestade que é preciso fazer no mais recôndito do ser, resume-se a uma coisa só, e simples.

Viver fazendo dos corpos templos de almas e, assim, fazendo que eles despertem em si mesmos de algo que todos temos e vive com cada um de nós no fundo dos fundos da alma e que é um mistério tão grande  que quem o sente não o pode expressar por palavras a que ele acrescenta esta coisa sábia dentro de toda a sabedoria deste profundo poema: quem não o sente, não poderá nunca conhecê-o por palavras.

E termina, formulando votos para que o homem aprenda a amar as tempestades - da tal lei que rotula de divina o que quer dizer, que aquilo que ele pede para tornar os homens dignos da divindade que neles tem morada, exige que cada um viva e ame as suas próprias tempestades, que não ignora, mas com o fim de encontrar a paz em vez de fugir delas.

Kahlil Gigran é profundo em tudo quanto diz e aconselha.

Os homens é que, às vezes - vezes demais talvez - vivem à superfície do grande mistério que os envolve, e agem, julgando melhor fugir das tempestades da alma quando as deviam vencer, não fugindo da divindade que neles tem morada.

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