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sábado, 4 de abril de 2015

A Ressurreição do Senhor num poema de Miguel Torga




Páscoa
sentir no corpo a Ressurreição

Um dia de poemas na lembrança
(Também meus)
Que o passado inspirou.
A natureza inteira a florir
No mais prosaico verso.
Foguetes e folares,
Sino a repicar,
E a carícia lasciva e paternal
Do sol progenitor
Da primavera.
Ah, quem pudera
Ser de novo
Um dos felizes
Desta aleluia!
Sentir no corpo a ressurreição.
O coração
Milagre do milagre da energia,
A irradiar saúde e alegria
Em cada pulsação.

Miguel Torga
in, Diário XVI


Comove-me este poema do grande Poeta transmontano!

E esta comoção muito minha vai buscar dentro de mim o que sei da relação difícil em que se tornou, um dia, a aceitação de Deus por MIguel Torga, que o trazia bem perto do coração mas fugidio na perguntas que fazia à sua razão.

Comove-me este desabafo que muito longe de ser feito num mero enquadramento poético, é um grito de alma sentido e profundamente memorial de um tempo vivido com o influxo religioso que recebera no berço:

Ah, quem pudera
Ser de novo
Um dos felizes
Desta aleluia!

E comove-me, porque neste pequeno trecho desta sentida Poesia da Páscoa da Ressurreição, o que sentimos viver é o menino de São Martinho de Anta - a sua terra natal - e, onde, fora feliz ao crer na Ressurreição de Jesus, para depois, quando se viu batido pelos ventos agrestes dos tempo que vieram, ter posto dúvidas à velha crença dos seus maiores.

Houve, efectivamente um problema religiosos que Miguel Torga nunca resolveu, que não fosse à sua maneira desempoeirada e franca como foi toda a sua vida de Médico e Poeta, basta que leiamos esta prosa:


Enquanto o meu corpo e o meu espírito puderem esbracejar, nunca farei o jogo sujo de erguer as mãos por cálculo diante de nenhum altar. Mas dado que sim, que exista um Deus cioso que a minha miopia me não deixa ver claramente, quero crer que é esta mesma atitude de rebeldia que espera de mim. Tragicamente postas num pé de dúvida irremediável, as nossas relações teriam de ser, e foram sempre, difíceis mas viris. De potestade a potestade. A omnipotência divina enfrentada pela inconformação humana” 
(in, Diário, Lisboa, Hospital de S. Luís, 22 de Junho de 1972

Que o Senhor Jesus tenha aquele que lhe fez tão bela poesia no seu regaço!


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