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quinta-feira, 1 de maio de 2014

Porque são belas as judias?



A publicação de almanaques - enquanto repositório de textos literários de cultura diversificada, de que fazem parte obrigatória o calendário, o santoral, o horóscopo, luas, marés, informações agrícolas, etc.  - é um costume muito antigo, não só entre nós, como em todo o mundo civilizado.
Vem isto a propósito das minhas recentes férias em P......... - o meu torrão natal, mais uma vez queimado quinze anos depois - quando me dispus a olhar num gesto grato à minha sensibilidade a velha Biblioteca da minha casa e, dei - mais um vez - com o “Novo Almanach de Lembranças Luso Brasileiro de 1885”, na grafia coeva, uma vetusta publicação com 120 anos de idade amarelecida pelo tempo da estadia na minha casa beirã, mas contendo alguma informação cultural que ainda hoje se mantém actual e me diverte, ainda, possivelmente pelo carinho familiar que tal publicação me desperta e, até, me comove.

Ao compulsar o velho livro, acção que faço sempre religiosamente, dei que na pág. 377 aparece um apontamento com o título que é uma pergunta e encima esta pequena crónica:
“Porque são belas as judias?”.

No corpo do texto - sem autor conhecido - aparece uma imagem de uma mulher muito bela segurando cuidadosamente uma ânfora pelo gesto cuidadoso das mãos e dos braços, naturalmente cheia de um líquido – que não será água, pela vestimenta cuidada e de aspecto nobre da sua proprietária -  que se apresenta lindamente vestida com uma larga túnica de tecido preto, deixando apenas ver os braços nus até aos cotovelos e a ponta dos pés onde a vestimenta cai, redonda e larga, ondulando o tecido e marcando os refolhos e as pregas que acompanham todo o corpo elegante onde sobressai firme e altivo, mas sem presunção ou afectação, um rosto de fino recorte e uma cabeça torneada onde os cabelos pretos puxados para trás deixam adivinhar a travessa de marfim que os apanha e prende ao nível da nuca, sem contudo deixar que eles rolem soltos ao vento, costas abaixo até atingir a cintura fina e delicada.

Esta mulher parece ser a que o texto que se vai reproduzir narra como sendo natural de Betânia, povoação perto de Jerusalém e onde Jesus tinha muitos amigos e visitava muitas vezes, como aconteceu daquela vez quando estava em casa de Simão, o leproso, e apareceu uma mulher que o ungiu com nardo puro. (1)
É uma imagem que sugere, verdadeiramente a pergunta: “Porque são belas as judias?
O texto que vamos reproduzir na íntegra e com grafia actual é todo ele uma poesia tecida à mulher judia – assim considerada desde todos os tempos - e bem merece pela compostura, talento, graça e fidelidade aos costumes e à crença, uma leitura atenta.
Diz assim:

No ensaio sobre a literatura inglesa, a propósito do belo retrato que Walter Scott faz do romance Ivanhe, da judia Rebecca, diz Chateaubriand com aquela eloquência que a sua pena imprimiu em tudo quanto nos deixou escrito:
Fontanes, este amigo que eu chorarei eternamente, perguntou-me um dia porque era que na raça judaica as mulheres eram mais belas que os homens: eu dei-lhe uma razão de poeta e de cristão.

As judias, disse eu, escaparam à maldição com que seus pais, seus maridos e seus filhos foram fulminados. Não se encontra nenhuma judia envolvida na chusma de sacerdotes e de povo que insultou o Filho do Homem, o flagelou, o coroou de espinhos e lhe infligiu as dores e a ignomínea da Cruz.

As mulheres da Judeia creram no Salvador, amaram-no, seguiram-no, protegeram-no, consolaram-no nas suas aflições. Uma mulher de Betânia derramou sobre a sua cabeça o nardo precioso que levava num vaso de alabastro; a pecadora aspergiu um óleo perfumado sobre os seus pés e enxugou-os com os seus cabelos.

Cristo, pelo seu lado, espalhou a sua misericórdia e a sua graça sobre as judias; ressuscitou o filho da viúva de Naim e o irmão de Marta; curou a sogra de Simão e a mulher que tocou a orla da sua túnica; para a samaritana foi uma “fonte de água viva” e um jiíz compadecido para a mulher adúltera. As filhas de Jerusalém choraram-no; as santas mulheres acompanharam-no ao Calvário, compraram bálsamo e aromas e depois procuraram o seu sepulcro banhadas em lágrimas; a sua primeira aparição foi a Maria Madalena. Ela não o reconhecia, mas Ele disse-lhe: “Maria!”. Ao som desta voz os olhos de Madalena abriram-se e respondeu: “Meu Senhor!”.
O reflexo de algum raio divino ficou sempre resplandescendo sobre a fronte das judias.

É assim que termina o velho texto sobre o qual, mais uma vez me debrucei nestas últimas férias, em P...........
E mais uma vez encontrei nele motivos de reflexão, lembrando a Verónica que não vem referida no texto, mas é aquela judia que ao assistir da sua janela à passagem do cortejo da Cruz, com Jesus à frente carregado de injúrias e de suores, sai a correr de casa, tira o lenço da cabeça e com ele enxuga a face de Jesus que nele ficou gravada para sempre, pagando o Crucificado, desse modo, o gesto altruísta e temerário.

Após esta lembrança da mulher que teve a graça de interromper por segundos o Calvário de Jesus, depus o velho “Almanaque de Lembranças” na estante da minha casa de P.....
Lá ficou à espera de uma nova consulta e eu a pensar sobre a razão porque são belas as judias e a juntar aos encanto da sua beleza natural a beleza de sentimentos que tiveram com Jesus, que nunca maltrataram, aos contrário dos homens, especialmente dos fariseus, saduceus e zelotas, que tudo fizeram para o prender e matar.

Recordo sentidamente que no instante em que arrumei o velho almanaque fiquei a pedir a Deus que num outro momento qualquer eu viesse de novo a beber daquela cultura simples que me dá ainda hoje ao preciosa publicação de cariz popular, bem melhor que certos livros rotulados de muito saber e que nada dizem, senão no rótulo do seu lançamento sensacional, fruto das modernas engenharias da informação mediática que não raro escondem um embuste e são um engano para o leitor desprevenido.



(1) - Mc 14,3

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