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terça-feira, 20 de maio de 2014

Morte de D. Eurico Dias Nogueira: a minha homenagem.





Acabo de saber da morte, na noite de ontem, do Arcebispo Emérito de Braga,  D. Eurico Dias Nogueira, o que não me apanhou desprevenido, porque sabia do frágil estado de saúde deste meu ilustre conterrâneo que me deu o prazer de ter sido um bom Amigo que eu tive. 
Tinha 91 anos.

Representava na sociedade portuguesa a última figura da Igreja que fez parte do Concílio Vaticano II, onde foi convidado a participar sendo apenas Bispo nomeado nas últimas sessões de tão magno acontecimento, cujas reformas aplaudiu, seguindo-as e incentivando-as com o zelo que o seu múnus episcopal jamais deixou de acarinhar.

Era natural da aldeia de Dornelas do Zêzere, onde nasceu a 6 de Março de 1923.



Foi ordenado sacerdote em 22 de Dezembro de 1945, devendo lembrar-se um facto que é a marca do homem determinado que para cumprir o chamamento de Deus, quando tal se impunha, calcorreava cerca de 30Km por montes e vales, até atingir o transporte entre a vila de Pampilhosa da Serra e Coimbra, onde se situava o Seminário.


Começou a sua actividade sacerdotal como prefeito e professor no Seminário Menor da Figueira da Foz.

Veio  a doutorar-se em Direito Canónico, pela Universidade Gregoriana de Roma no dia 3 de Julho de 1948. Mas não só nas ciências da Igreja se destacou. A 5 de Julho de 1955, licenciou-se em Direito Civil na Universidade de Coimbra.          

Nomeado Bispo de Vila Cabral (Moçambique) foi aqui, precisamente que teve sérias desavenças com a PIDE, que de acordo com uma sua afirmação "o tinha debaixo de olho" pela sua declaração - uma entre muitas contra o regime - de ser contrário à censura, algo que mereceu, por parte das autoridades muito trabalho àquele Bispo irreverente que dizia abertamente: “Não vim para o Niassa para passar o tempo a tomar café com os ‘grandes’ da terra e chá com as respectivas esposas, como talvez eles desejassem”. 

Esta afirmação, como outra de cariz bem semelhante:  “Talvez um dia a minha voz se faça ouvir e cause escândalo nos homens da política bem instalados na vida ou facilmente acomodáveis”, levaram os agentes da PIDE instalados em Moçambique a alertar os seus superiores, para a sede de Lisboa, com o seguinte aviso: “Tem patenteado atitudes de hostilidade, censura e pouco reconhecimento para com o Governo”.

Chegou ao ponto de ter sido acusado de "comunista" pelos mais acérrimos defensores do regime, quando ele, munido da sua Fé e da sua independência, em 1992, haveria de dizer o seguinte de José Saramago, que ele era: “um ateu confesso e comunista impenitente”, responsável por uma obra, “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, que considerava “uma delirante vida de Cristo", concebida “na perspectiva da [sua] ideologia político-religiosa e distorcida por aqueles parâmetros (...) Um livro blasfemo, espezinhador da verdade histórica e difamador dos maiores personagens do Novo Testamento”.

Homem culto, percorreu ao longo do seu percurso episcopal dois Continentes.
De Moçambique partiu para Angola em 1972, nomeado Bispo de Diocese de Sá da Bandeira, em 19 de Fevereiro, onde acumulou a administração da Igreja da recém criada Diocese de Pereira d'Eça, ao longo de dois anos, iniciando ali um novo ciclo da sua vida, cujo momento mais alto foi o de, em representação do Episcopado angolano, ter participado no Sínodo dos Bispos, em 1974

Regressado à Metrópole em 1977, foi nomeado em 5 de Novembro daquele ano,  Arcebispo metropolita de Braga e Primaz das Espanhas lugar que resigna a 18 de Agosto de 1999, revelando-se sempre uma figura incómoda para o regime imposto de 25 de Abril, o que prova que o seu amor à Verdade do Evangelho colidiu com o Estado Novo e com o modo como os homens - que ele apontava a dedo - dirigiam a Revolução de 74.

Em consequência da idade deixou as suas funções de Arcebispo de Braga, passando a residir no Seminário de Santiago, nesta Cidade, na qualidade de Arcebispo Emérito.



Outras datas importantes da vida deste homem invulgar:


  • Entre 1945 a 1948 frequentou em Roma a Universidade Gregoriana onde se veio a laurear em Direito Canónico.
  • Entre 1950 a 1956 licenciou-se em Direito Civil, que complementou com o curso de Ciência
  • Entre 1956 a 1963 foi assistente do CADC (Centro Académico da Democracia Cristã), capelão da Universidade e Chefe de redacção do semanário "Correio de Coimbra".
  • Em 10 de Julho de 1964 é nomeado Bispo de Vila Cabral (Moçambique)
  • Em 6 de Dezembro daquele mesmo ano recebeu a ordenação na Sé de Coimbra.
  • Em 1965 recebe a nomeação de Promotor da Justiça, Defensor do Vínculo e Consultor Jurídico da Cúria Diocesana de Coimbra.
  • Em 19 de Março de 1965 é nomeado Cónego da Sé de Coimbra.
  • Em 1 de Julho de 1972 foi transferido para Sá da Bandeira (Angola), onde esteve cinco anos.
  • Em 17 de Fevereiro de 1977, o Papa aceitou a resignação daquela Diocese, tendo-o nomeado em 5 de Novembro daquele mesmo ano, Arcebispo de Braga.
  • Em 4 de Julho de 1983 nomeia o Tribunal que deu início à canonização de D. Frei Bernaro de Vasconcelos.
  • Em 21 de Março de 1986 tomou posse como membro do Senado da Universidade do Minho.
  • Em 2 de Março de 1989 presidiu à reabertura do processo de canonização de D. Frei Bartolomeu dos Mártires.
  • Em 19 de Fevereiro de 1989 criou o Instituto de História e Arte Cristã (IHAC)
  • Em 17 de Fevereiro de 1990, é agraciado com o título de Doutor "honoris causa" pela Universidade do Minho.
  • Em 3 de Março de 1990, é nomeado Grande Oficial da Ordem Equestre do Santo Sepulcro.
  • Em 4 de Maio de 1990, é eleito membro da Academia Portuguesa de História.
  • Em 10 de Julho de 1990, institui o Tribunal diocesano tendente à canonização do fundador da "Obra de Santa Zita".
  • Em 30 de Abril de 1994 erigiu o Instituto Diocesano da Apoio ao Clero. (IDAC)
  • Em 28 de Setembro de 1997 empossou o Tribunal encarregado de organizar o processo de canonização do P. Abílio Gomes Correia.
  • Em 19 de Outubro de 1996, recebe a Grã-Cruz de Mérito da Ordem de Malta.
  • Em 5 de Junho de 1999, tendo solicitado a sua resignação, toma posse o seu sucessor, D. Jorge Ortiga.

Das suas obras eclesiais destacam-se: «De Jurisdictione Supleta» (1949), «A Igreja e o Estado em Portugal» (1959), as teses acima referidas, «Reflexões» para a Juventude Católica Universitária (1964), «Missão em Moçambique» (1970), «Quatro Homilias» (28 de Outubro de 1978), «Homilias, Reflexões e Entrevistas» (27 de Dezembro de 1979), «Homilias Controversas – Antes e Depois» (Dezembro de 1981), «Desenvolvimento Regional e Fé Cristã» (Agosto de 1986), «Jubileu Episcopal» (Dezembro de 1990), «Episódios da minha missão em África» (Março de 1995), «Jubileu Sacerdotal» (Dezembro de 1995).


Paz à sua alma.

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