António Feijó
Hino à Alegria
Tenho-a visto passar, cantando, à minha porta,
E às vezes,
bruscamente, invadir o meu lar,
Sentar-se à minha
mesa, e a sorrir, meia morta,
Deitar-se no meu
leito e o meu sono embalar.
Tumultuosa, nos seus
caprichos desenvoltos,
Quase meiga, apesar
do seu riso constante,
De olhos a arder,
lábios em flor, cabelos soltos,
A um tempo é cortesã,
deusa ingénua ou bacante...
Quando ela passa, a
luz dos seus olhos deslumbra;
Tem como o Sol de
Inverno um brilho encantador;
Mas o brilho é fugaz,
— cintila na penumbra,
Sem que dele irradie
um facho criador.
Quando menos se
espera, irrompe de improviso;
Mas foge-nos também
com uma presteza igual;
E dela apenas fica um
pálido sorriso
Traduzindo o desdém
duma ilusão banal.
Onda mansa que só à
superfície corre,
Toda a alegria é vã;
só a Dor é fecunda!
A Dor é a Inspiração,
louro que nunca morre,
Se em nós crava a
raiz exaustiva e profunda!
No entanto, eu te
saúdo e louvo, hora dourada,
Em que a Alegria vem
extinguir, de surpresa,
Como chuva a cair
numa planta abrasada,
A fornalha em que a
Dor se transmuta em Beleza!
Pensar, é certo,
eleva o espírito mais alto;
Sofrer torna melhor o
coração; depura
Como um crisol: a
chispa irrompe do basalto,
Sai o oiro em fusão
da escória mais impura.
A Alegria é falaz; só
quem sofre não erra,
Se a Dor o eleva a
Deus, na palavra que O louve;
A Alma, na oração,
desprende-se da terra;
Jamais o homem é vão
diante de Deus que o ouve!
E contudo, —
ilusão!—basta que ela sorria,
Basta vê-la de longe,
um momento, a acenar,
Vamos logo em tropel,
no capricho do dia,
Como ébrios, evoé!
atrás dela a cantar!
Mas se ela, de
repente, ao nosso olhar se furta,
Todo o seu brilho é
pó que anda no sol disperso;
A Alegria perfeita é
uma aurora tão curta,
Que mal chega a
doirar as cortinas do berço.
Às vezes, essa luz,
de tão frágil encanto,
Vem ainda banhar
certas horas da Vida,
Como um íris de paz
numa névoa de pranto,
Crepitação, fulgor
duma estrela perdida.
Então, no resplendor
dessa aurora bendita,
Toma corpo a ilusão,
e sem ânsias, sem penas,
O espírito remoça, o
coração palpita
Seja a nossa alma
embora uma saudade apenas!
Mas efémera ou vã, a
Alegria... que importa?
Deusa ingénua ou
bacante, o seu riso clemente,
Quando, mesmo de
longe, ecoa à nossa porta,
Deixa em louco
alvoroço o coração da gente!
Momentânea ou falaz,
é sempre um dom divino,
Sol que um instante
vem a nossa alma aquecer...
Pudesse eu celebrar teu
louvor no meu Hino!
Momentâneo, falaz
encanto de viver!
O teu sorriso enxuga
o pranto que choramos,
E eu não sei traduzir
a ventura que exprimes!
Nesta sentimental
língua que nós falamos,
Só a Dor e a Paixão
têm acordes sublimes!
António Feijó, in 'Sol de Inverno'
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Ao ler este belo e profundo texto poético de António Feijó, a sensação imediata que tive foi a de agradecer ao seu espírito a iluminação que me deu, e foi de tal sorte aquilo que senti que tive o desejo - de imediato - de nunca mais, por maior que seja a tristeza de um momento qualquer, deixar de fora da porta a alegria que espreita sempre, mesmos nos momentos mais duros , pois,
Quando, mesmo de longe, ecoa à nossa porta.
Deixa em louco alvoroço o coração da gente!
E foi no desenrolar do meu pensamento que ele trouxe à minha lembrança uma asserção ajuizada de Schopenhauer: Na primeira juventude, abri certa
vez um livro velho e lá estava escrito: «Quem muito ri é feliz, e quem muito
chora é infeliz» - uma observação bastante ingénua, mas que não pude esquecer
devido à sua verdade singela, por mais que fosse o superlativo de uma verdade
evidente. Por esse motivo, devemos abrir portas e janelas à jovialidade, sempre
que ela aparecer, pois ela nunca chega em má hora, em vez de hesitar, como
muitas vezes o fazemos, em permitir a sua entrada, só porque queremos saber
primeiro, em todos os sentidos, se temos razão para estar contentes.
E voltei a ler o Hino à Alegria de António Feijó e a alegrar-me com ele e pelo autor que nos diz, como se quisesse deixar para a posteridade este aviso que, muitas vezes fingimos não seguir, porque a alegria de estarmos vivos nos devia levar a sermos gratos ao Mistério que criou o homem - e a quem dou o nome de Deus - e nem sempre agimos com esse sentimento em que, se nas palavras de louvor - a nossa Dor - se eleva a Deus, pedindo, quantas vezes refrigério para ela, é na Alma, quando ora, que todo o homem por não ser um destino vão, devia alegrar-se, na certeza que Deus o ouve na Dor - para o consolar - e na alegria, para se alegrar com ele.
É António Feijó que o diz:
A Alegria é falaz;
só quem sofre não erra,
Se a Dor o eleva a
Deus, na palavra que O louve;
A Alma, na oração,
desprende-se da terra;
Jamais o homem é
vão diante de Deus que o ouve!
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