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segunda-feira, 26 de maio de 2014

Abrir as portas à alegria!



                                 António Feijó

                          Hino à Alegria

Tenho-a visto passar, cantando, à minha porta,
 E às vezes, bruscamente, invadir o meu lar,
 Sentar-se à minha mesa, e a sorrir, meia morta,
 Deitar-se no meu leito e o meu sono embalar.

 Tumultuosa, nos seus caprichos desenvoltos,
 Quase meiga, apesar do seu riso constante,
 De olhos a arder, lábios em flor, cabelos soltos,
 A um tempo é cortesã, deusa ingénua ou bacante...

 Quando ela passa, a luz dos seus olhos deslumbra;
 Tem como o Sol de Inverno um brilho encantador;
 Mas o brilho é fugaz, — cintila na penumbra,
 Sem que dele irradie um facho criador.

 Quando menos se espera, irrompe de improviso;
 Mas foge-nos também com uma presteza igual;
 E dela apenas fica um pálido sorriso
 Traduzindo o desdém duma ilusão banal.

 Onda mansa que só à superfície corre,
 Toda a alegria é vã; só a Dor é fecunda!
 A Dor é a Inspiração, louro que nunca morre,
 Se em nós crava a raiz exaustiva e profunda!

 No entanto, eu te saúdo e louvo, hora dourada,
 Em que a Alegria vem extinguir, de surpresa,
 Como chuva a cair numa planta abrasada,
 A fornalha em que a Dor se transmuta em Beleza!

 Pensar, é certo, eleva o espírito mais alto;
 Sofrer torna melhor o coração; depura
 Como um crisol: a chispa irrompe do basalto,
 Sai o oiro em fusão da escória mais impura.

 A Alegria é falaz; só quem sofre não erra,
 Se a Dor o eleva a Deus, na palavra que O louve;
 A Alma, na oração, desprende-se da terra;
 Jamais o homem é vão diante de Deus que o ouve!

 E contudo, — ilusão!—basta que ela sorria,
 Basta vê-la de longe, um momento, a acenar,
 Vamos logo em tropel, no capricho do dia,
 Como ébrios, evoé! atrás dela a cantar!

 Mas se ela, de repente, ao nosso olhar se furta,
 Todo o seu brilho é pó que anda no sol disperso;
 A Alegria perfeita é uma aurora tão curta,
 Que mal chega a doirar as cortinas do berço.

 Às vezes, essa luz, de tão frágil encanto,
 Vem ainda banhar certas horas da Vida,
 Como um íris de paz numa névoa de pranto,
 Crepitação, fulgor duma estrela perdida.

 Então, no resplendor dessa aurora bendita,
 Toma corpo a ilusão, e sem ânsias, sem penas,
 O espírito remoça, o coração palpita
 Seja a nossa alma embora uma saudade apenas!

 Mas efémera ou vã, a Alegria... que importa?
 Deusa ingénua ou bacante, o seu riso clemente,
 Quando, mesmo de longe, ecoa à nossa porta,
 Deixa em louco alvoroço o coração da gente!

 Momentânea ou falaz, é sempre um dom divino,
 Sol que um instante vem a nossa alma aquecer...
 Pudesse eu celebrar teu louvor no meu Hino!
 Momentâneo, falaz encanto de viver!

 O teu sorriso enxuga o pranto que choramos,
 E eu não sei traduzir a ventura que exprimes!
 Nesta sentimental língua que nós falamos,
 Só a Dor e a Paixão têm acordes sublimes!

António Feijó, in 'Sol de Inverno'

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Ao ler este belo e profundo texto poético de António Feijó, a sensação imediata que tive foi a de agradecer ao seu espírito a iluminação que me deu, e foi de tal sorte aquilo que senti que tive o desejo - de imediato - de nunca mais, por maior que seja a tristeza de um momento qualquer, deixar de fora da porta a alegria que espreita sempre, mesmos nos momentos mais duros , pois,

Quando, mesmo de longe, ecoa à nossa porta.
Deixa em louco alvoroço o coração da gente!

E foi no desenrolar do meu pensamento que ele trouxe à minha lembrança uma asserção ajuizada de Schopenhauer: Na primeira juventude, abri certa vez um livro velho e lá estava escrito: «Quem muito ri é feliz, e quem muito chora é infeliz» - uma observação bastante ingénua, mas que não pude esquecer devido à sua verdade singela, por mais que fosse o superlativo de uma verdade evidente. Por esse motivo, devemos abrir portas e janelas à jovialidade, sempre que ela aparecer, pois ela nunca chega em má hora, em vez de hesitar, como muitas vezes o fazemos, em permitir a sua entrada, só porque queremos saber primeiro, em todos os sentidos, se temos razão para estar contentes.
 ( in, Aforismos para a Sabedoria de Vida)

E voltei a ler o Hino à Alegria de António Feijó e a alegrar-me com ele e pelo autor que nos diz, como se quisesse deixar para a posteridade este aviso que, muitas vezes fingimos não seguir, porque a alegria de estarmos vivos nos devia levar a sermos gratos ao Mistério que criou o homem - e a quem dou o nome de Deus - e nem sempre agimos com esse sentimento em que, se nas palavras de louvor - a nossa Dor - se eleva a Deus, pedindo, quantas vezes refrigério para ela, é na Alma, quando ora, que todo o homem por não ser um destino vão, devia alegrar-se, na certeza que Deus o ouve na Dor - para o consolar - e na alegria, para se alegrar com ele.

É António Feijó que o diz:

 A Alegria é falaz; só quem sofre não erra,
 Se a Dor o eleva a Deus, na palavra que O louve;
 A Alma, na oração, desprende-se da terra;
 Jamais o homem é vão diante de Deus que o ouve!


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