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quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Antero de Quental: uma alma que se buscou a si mesma!

Antero de Quental aos 22 anos, 
estudante de Direito na Universidade de Coimbra
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Antero de Quental foi uma personalidade complexa que o fez levar da euforia estridente ao mais desolador dos pessimismos e foi, possivelmente, dos homens mais válidos da Filosofia e Literatura Portuguesa do frutuoso século XIX, a par de ter sido um eminente defensor das ideias socialistas em defesa do operariado, porque erigiu para ele como um fim a atingir os ideais da fraternidade e solidariedade humana, atributos que não podiam existir em vão na nova sociedade que ele sonhava, tendo-lhe cabido a honra de ter sido dos primeiros vultos a colocar na ordem do dia o socialismo, o republicanismo e o marxismo para a discussão dos políticos do seu tempo no desejo que ela chegasse à discussão pública.

Muito jovem (19 anos) publica os seus primeiros sonetos, génese de uma Obra imensa onde expraiou todo o seu génio de grande Poeta a que se seguiu, quatro anos de depois a publicação das "Odes Modernas", uma colectânea de poesias onde ele reflectiu o humanismo que foi beber a Proudhon e onde não faltou a dialéctita hegeliana,  com o fim de romper em Portugal o sentimentalismo romântico para em eu lugar erigir um sentimentalismo socializante fundado - como ele queria - no fervor revolucionário de mais justiça social que lhe chegava de outros ares fora deste "cantinho à beira mar plantado" e, sobretudo, pela crença que os seus fervorosos 23 anos acalentavam.
Por isso, escreveu:


Evangelho Novo é a Bíblia da Igualdade
Justiça, é esse o tema do Sermão.
A missa nova, essa é a missa da Liberdade
E órgão a acompanhar… a voz da Revolução.

Em apenas quatro anos fugidios, mas vividos intensamente, em Antero de Quental, esse tempo bastou para ele ter deixado na gaveta os poemas inéditos escritos entre 1859 a 1863, que vieram a constituir o Livro "RAIOS DE EXTINTA LUZ" e que só vieram a público, postumamente, em 1892 pela mão de Teófilo Braga.

Eis, um exemplar dos seus poemas da juventude:

O Deus que me criou pôs-me no peito
Um tesouro tão rico de esperança,
Que não hã quem m'o roube ou quem m'o gaste;
E pôs-me n'alma fonte tão perene
D'aquelle Eterno-Amor, que de lá desce,
Que não há sol ou calma que m'a seque.

A fonte que nasceu em solo árido
Se um dia murmurou, morreu no outro;
Mas a que vem dos montes, que o Céu tocam,
Descendo lentamente e sem ruído,
Té que brota entre as flores da campina,
Essa não morre com a luz de um dia...
Fonte de puras aguas abundantes,
Traz do Céu sua origem. Lá se esconde,
Entre nuvens, o foco que a alimenta:
Eterna, como o Céu d'onde partira,
E serena, como ele, a paz e a vida,
Como ele, tem no seio e d'elle manam.

Assim d'aquelle amor. Constante e puro,
Que ardor ou calma ou sol pode secá-lo?
Que pó da terra conspurcar-lhe o brilho?

A maldade dos homens não te mancha,
Oh minha paz, oh minha pomba cândida!
Na terra o caçador te aponta a flecha,
E o tiro parte em vão. Como tocar-te,
Se tão alto voaste, e o dardo apenas
Mediu a meia altura que levavas?
A flecha caie na terra... ao Céu tu foges!

Vai pomba imaculada! irei contigo
Abrigar-me também no seio eterno,
Quando um dia o Senhor julgar que é finda
A missão que me deu de aqui servil-o.
Aqui fica-me a esp'rança que me alente,
Fica a luz que me guia, o Amor, a crença.

E foi Deus quem me deu o meu tesouro,
Como á ave que voa deu a pena,
Que a libra pelo espaço; e ao olho morto
Do ancião, a luz que aponta melhor mundo.

Na assembléa dos homens, se um, olhando-me
Disser — «Aquelle é rei» — irei prostrar-me
Diante do Senhor, abrindo o espírito
Á voz que dentro d'elle Deus murmura;
E Deus vendo-me puro na consciência
Dirá — «Ergue-te em paz: não és culpado» — !

Se sentir dentro d'alma alguma f'rida
Vertendo sangue e fel, em dor extrema,
Buscarei no Senhor o meu alivio:
E o Senhor, pondo um dedo sobre a chaga,
Dirá — «Fica-te em paz: estás curado» — !

Oh minha doce paz! por ti se cumpram
Os decretos do Eterno: tu me escuda
Dos tiros que a maldade em mim dispara;
A força do leão põe-me na mente,
A mansidão da pomba dentro d'alma.
Oh pomba ingénua, pomba imaculada,
Filha do Céu ao Céu voemos juntos
                                                       Janeiro, 1861.

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Não é minha pretensão - nem tal seria para este "blog" - traçar aqui, até porque isso está feito brilhantemente em muitos livros e outras publicações o perfil humano, social, político e literário do eminente filho de Ponta Delgada (Açores), mas tão só deixar como homenagem à sua memória este breve apontamento, deixando impresso, em primeiro lugar "o depois" de um tempo mentalmente mais amadurecido e que lemos nas "ODES MODERNAS" e "o antes" de uma juventude que traçava, então, loas à ideia Deus - que ele nunca abandonou  e vamos encontrar nos "RAIOS DE EXTINTA LUZ", escritos em ordem à sua educação católica e tradicionalista.

Sem ser esse o propósito desta "postagem" entendo, contudo, que não devo deixar de assinalar que no percurso de uma vida complexa, como foi a de Antero de Quental - como já se disse - morou um génio cuja alma andou de volta de si mesma à procura do Nirvana budista, em busca da libertação humana fundada na sua espiritualidade tendo como fanal a "cessação do sofrimento" até o ser atingir "um estado eterno de graça".

Sendo um ideal daqueles que estão para além dos simples mortais, este caminho fez que Antero de Quental percorresse um longo percurso mental de que podemos,em prol da sua verdade histórica, assinalar:

  • Niilismo -- doutrina da negação radical e absolutização do nada, que leva ao cepticismo e em política ao anarquismo com base na força da evidência.
  • Satanismo - um sentimento de revolta contra a divina ordenação das coisas.
  • Petrarquismo - Com base em Petrarca, este movimento tendeu a a fazer do tempo humano um reflexo da eternidade divina, exprimindo uma divisão entre o ascetismo e as seduções do mundo.
  • Realismo - Uma tendência do ser se conformar com a realidade considerando as coisas como elas são, pretendendo dar a noção exacta da realidade sem a modificar, idealizar ou deformar.
  • Panteísmo - Da palavra grega que significa "tudo é Deus" ao atingir diversas formas de interpretação se difundiu na Índia, ignorando a participação e a analogia dos seres, deixa de ter como referência a diferença entre o finito e o infinito.
  • Hegelianismo - Uma filosofia que intenta chegar à compreensão da realidade em três fazes: tese, antítese e síntese, sem haver lugar para um Deus transcendente, dando à História, aos Povos e aos Heróis o direito das formas sucessivas da Ideia ir "de per si" tomando consciência de si mesma.
  • Socialismo utópico - "Doutrina" que surgiu n o campo político-económico para visar a desigualdade entre as classes sociais, preconizando a supressão da propriedade privada dos meios de produção.
  • Metafísica - Esta disciplina da Filosofia pretendia ultrapassar o domínio da experiência e atingir o próprio ser e seus atributos essenciais por oposição às ciências positivas,arvorando-se como uma disciplina do inteligível.
  • Budismo - Com base em dois dogmas: reencarnação e libertação final, tentando descobrir aquilo que existe para além das aparências, superando paixões, ilusões e a dor, sendo a morte entendida como um renascimento (reencarnação) com o fim de atingir o Nirvana, a última etapa da existência.

Estou crente que Antero de Quental - pouco ou muito - viveu todas estas correntes do pensamento que influíram, sobremaneira, no seu estado mental e lhe formaram o génio do ser atribulado que ele foi e a par de nos ter deixado uma Obra imortal no campo da Poesia, nos seus maravilhosos sonetos, onde encontramos um pouco deste tudo que lhe preencheu a vida,desde o místico ao seu oposto, penso que o Budismo teve nele uma importância vital no campo da reencarnação.

Penei, isto, no momento em que há já uns anos me sentei no banco do Jardim do Campo de S: Francisco, em Ponta Delgada onde ele, com dois tiros de revólver acabou uma vida que durou, apenas, 49 anos e da qual muito havia ainda para dar a um Mundo social e artístico que ele encheu de prendas humanas que não devem ser esquecidas.

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